segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A responsabilidade do ensino cristão


O texto é um excerto do capítulo “Atendendo por vós mesmos”, extraído do Manual Pastoral de Discipulado, de Richard Baxter. Trata da responsabilidade daquele que prega e ensina a Palavra de Deus, demonstrando que aquilo que é pregado e ensinado precisa transformar, em primeiro lugar, a vida do próprio orador, para depois operar na vida do seu ouvinte. Ao final deste tópico, mostra a necessidade de se alcançar a alma do aluno para nela depositar a semente da Palavra de Deus, de forma que frutifique, produzindo autênticos servos de Cristo. Que os ensinos aqui deixados por Baxter te inspire e te leve a refletir na natureza do ensino cristão que hoje desenvolvemos.


Estejam atentos para que o trabalho da graça salvadora seja plenamente realizado em suas próprias almas


Atentem para que não estejam vazios da mesma graça salvadora de Deus que oferecem a outros, alheios à operação efetiva do evangelho que pregam, para que, enquanto proclamam ao mundo a necessidade de um Salvador, seu próprio coração não seja negligenciado e acabem perdendo o interesse no próprio Senhor e em sua obra. Cuidem para que não pereçam, morrendo de fome enquanto preparam o alimento para o povo.

A promessa de que aqueles que conduzem muitos à justiça seriam como estrelas fulgentes pressupõe que tais condutores já tenham sido feitos justos. Considerando de maneira simples, a necessidade de sua fé é condição contingente de sua glória, embora o labor ministerial contenha uma promessa de glória ainda maior. Muitos têm advertido a outros acerca do perigo de caminhar para o lugar de tormento enquanto eles mesmos correm para a perdição. Muitos pregadores que, inúmeras vezes, conclamarem os seus ouvintes a cuidarem diligentemente para fugir do inferno, hoje lá se encontram. Seria possível a alguém razoável imaginar que Deus o salve com base na sua obra de pregação a outros, enquanto recusa a salvação para si mesmo e enquanto profere a verdade que ele próprio negligencia e abusa? Há alfaiates que, costurando roupas finas para outros, andam eles mesmos maltrapilhos. Há cozinheiros que sequer lambem os dedos enquanto servem os mais ricos pratos. Acreditem, irmãos, Deus jamais salvou um pregador com base no seu trabalho ou por causa de sua habilidade na pregação, mas sim com base na obra de justificação e santificação de Cristo, em cuja graça o cristão permanece fiel. Portanto, cuidem que suas vidas sejam coerentes com aquilo que desejam convencer os seus ouvintes; creiam nas coisas sobre as quais desejam persuadir a outros; e acolham ardorosamente o Salvador aos qual se propõem a oferecer. Aquele que ordena que nos amemos uns aos outros como a nós mesmos deixa claro que não deveríamos competir entre nós e nos destruirmos mutuamente.

Ser um professor não-santificado já é uma grande temeridade: mas, pior ainda, é ser um pregador não-santificado. Os senhores não temem que, ao abrir a Bíblia, leiam a sua própria sentença de morte? Não temem que, ao preparar o sermão, estejam escrevendo a acusação da própria alma? Quando argumentam contra um pecado, acaso não fazem aumentar a gravidade de sua própria condição? A proclamação das insondáveis riquezas de Cristo e sua graça não anuncia sua própria iniquidade, caso a rejeitem e evitem? Como os senhores poderão persuadir os homens a aceitar Cristo, conduzi-los do mundo para uma vida de fé e santidade, se eles mesmos, despertada a consciência, discernirão também a confusão interior de quem lhes fala? Muitos, ao falar do inferno, falam da própria herança; ao descrever as alegrias do céu, descrevem a própria miséria, pois não têm direito à "herança dos santos em luz". O que poderá ser dito que não seja contra a própria alma?

[…]

Portanto, dirijo-me aos senhores, que têm a responsabilidade da educação dos jovens, especialmente quanto ao preparo para o ministério. Os senhores, que são professores e tutores, comecem e terminem todas as coisas em referência a Deus. Falem diariamente ao coração dos alunos sobre as coisas que devem ser trabalhadas no coração, ou eles jamais desabrocharão como obreiros aprovados. Saiam de suas bocas palavras penetrantes sobre Deus, sobre o estado das almas dos alunos e sobre a vida no porvir! Não desprezem a mocidade de seus alunos, dizendo que são muito novos para entender as coisas de Deus - os senhores não imaginam que impressões eles já possuem. Não apenas as almas dos alunos, mas também muitas outras almas, terão razões para bendizer a Deus pelo zelo e diligência de bons mestres, e, até mesmo, por uma palavra dita no tempo certo. Os pastores-mestres têm uma grande vantagem sobre as outras pessoas para fazer o bem na vida dos alunos: eles estão em suas mãos antes de amadurecerem, e os ouvirão ainda que não ouçam a mais ninguém. Se forem chamados para o ministério, os senhores os estarão preparando para o serviço especial de Deus. Não precisariam eles conhecer primeiro aquele a quem servirão? Imaginem a tristeza que será para as próprias almas e o mal que será para a Igreja de Deus, se tais alunos deixarem as aulas com os corações frios e carnais, para realizar uma obra tão grande e santa e espiritual! Quantos dos nossos alunos de seminários são realmente sérios, experientes e piedosos? Se, porventura, a metade deles for enviada para uma obra da qual são indignos, que trabalho cruel será para a Igreja e para o país! No entanto, se os senhores forem os instrumentos de sua conversão e santificação, quantas pessoas serão gratas a Deus por suas vidas! E que bem maior os senhores poderiam fazer pela Igreja?

Uma vez que seus corações estejam tocados redentivamente com a doutrina que seus professores estudam e pregam, os alunos a estudarão com mais afinco e pregarão com maior fidelidade. A própria experiência os dirigirá aos assuntos mais próprios, dando-lhes consistência e vivificando-os para que levem a Palavra à consciência de seus ouvintes. Certifiquem-se, portanto, de que seu trabalho não contribua para os lamentos da Igreja nem para o tormento das almas.

(BAXTER, Richard. Manual Pastoral de Discipulado. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, 1ª edição, 220 pgs.)

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