quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Meditando sobre o céu

[Richard Baxter]

"Trabalhe para conhecer o céu como a única felicidade, e também para que seja a sua felicidade. Embora o conhecimento da maravilha e da adequação possa incitar aquele amor que trabalha por meio do desejo, ainda assim precisa haver o conhecimento de nosso interesse ou propriedade para estabelecer um trabalho contínuo de nosso amor de complacência. Podemos confessar que o céu é a melhor condição, embora possamos nos sentir desesperados ao desfrutá-lo, e podemos desejá-lo e buscá-lo, se percebermos que a obtenção dele é proveitosa e possível; mas jamais nos regozijaremos de forma deleitosa nele até que sejamos persuadidos de que nossa posição ali está garantida. [...] Ó, cristãos, não descansem, portanto, até que possa dizer que esse descanso é seu; não se sente sem ter certeza; fique sozinho e questione-se; traga seu coração para a corte de julgamento; force-o a responder os interrogatórios que você lhe faz; estabeleça, de um lado, as condições do evangelho e as qualificações dos santos, e, de outro lado, seu desempenho em relação a essas condições e qualificações de sua alma, para depois julgar o quanto elas estão próximas. Você tem diante de você a mesma Palavra, aquela por meio da qual deverá ser julgado no grande dia, para julgar por si mesmo agora; faça essas questões agora para si mesmo. Ali você poderá ler os artigos segundo os quais será julgado. [...] Portanto, estabeleça o fundamento do julgamento de forma sábia e ponderada; prossiga nesse trabalho de forma deliberada e metódica; continue com ele até chegar a um resultado firme e diligente; não permita que seu coração escape e saia antes do julgamento, mas faça-o ficar até ouvir sua sentença. Se uma, duas ou três tentativas não forem suficientes, nem alguns dias de interrogatório não o levarem a um resultado, prossiga nessa responsabilidade de forma diligente e incansável e não desista até que o trabalho esteja completo, até que possa dizer se você é, ou não, um membro de Cristo; se esse descanso lhe está, ou não, garantido. Assegure-se de não descansar em incertezas obstinadas. Se você mesmo não pode realizar bem essa responsabilidade, peça ajuda de pessoas preparadas e habilidosas. Procure seu ministro, se ele for um homem de experiência; ou peça a um amigo capaz e experiente; fale abertamente de seu caso e peça para que eles lidem com o assunto com sinceridade; continue a agir desse modo até que tenha certeza. Observe que podem restar algumas dúvidas; mas, ainda assim, você deve ter tanta certeza a ponto de conhecê-las a fundo para que elas não interfiram em sua paz. [...]"

Fonte: perolasdoevangelho.blogspot.com

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

O dia do Senhor é mais precioso do que os rubis

[Thomas Watson]

"...O sábado (domingo) é o dia de mercado da alma, o supra-sumo do tempo. É o dia da ascensão de Cristo do túmulo, é o dia do Espírito Santo descendo dos céus. É perfumado com o perfume doce das orações, que sobem aos céus como incenso. 

Neste dia o maná cai, isto é, a comida dos anjos. Este é o dia festivo da alma, no qual a graça desempenha seu papel. Os outros dias da semana são mais empregados nas coisas terrenas, este dia é sobre o céu; naqueles você ajunta palha, neste ajunta pérolas. 


Neste dia a alma sobe ao monte com Cristo e Ele mostra Sua glória na transfiguração. Neste dia Ele leva Sua noiva até a adega, e lhe mostra a bandeira do Seu amor.

Neste dia Ele lhe dá de Seu vinho especial e o suco de Suas romãs (Ct. 2:48:2). O Senhor geralmente revela-se mais à alma neste dia. O apóstolo João estava em espírito neste Dia do Senhor (Ap. 1:10). Ele foi levado neste dia em êxtase divino até o céu. Neste dia o cristão está nos lugares altos; ele caminha com Deus, e faz como se fosse um passeio com Ele nos céus (1Jo 1:3). 

Neste dia somos tomados de santas afeições; o estoque da graça é aumentado; as corrupções são enfraquecidas; e satanás cai como um raio diante da majestade da Palavra. Cristo realizou a maioria de Seus milagres no sábado; e assim o faz até hoje: As almas mortas são vivificadas e corações de pedras são transformados em corações de carne. Como devemos estimar e reverenciar este dia! É mais precioso do que os rubis. Deus o ungiu com o óleo de alegria sobre seus companheiros. 

No sábado (domingo) estamos fazendo o trabalho dos anjos. Nossas línguas são harmonizadas com os louvores de Deus. O sábado na terra terra é uma sombra e um tipo do glorioso descanso e eterno sábado pelo qual esperamos no céu, quando Deus será o templo, e o Cordeiro será sua luz (Ap 21:22-23)."...


Thomas Watson The Ten Commandments - Banner Of Truth, p.97 (Extraído do livro Quem foram os puritanos?, p. 167-168.






sábado, 23 de novembro de 2013

A importância de se conhecer a Deus


[R. C. Sproul]

Em Romanos 1, o apóstolo Paulo diz que Deus revelou-se através das coisas criadas tão claramente, e tão manifestamente, que cada pessoa neste mundo conhece o eterno poder e a deidade de Deus. E ainda assim o pecado primário da raça humana é tomar esse conhecimento de Deus e puxá-lo para baixo, como diz o apóstolo Paulo em Romanos, suprimir a verdade pela injustiça, e então trocar esta verdade por uma mentira. E servir a criatura ao invés do Criador. A troca é entre o Incorruptível, Transcendente e Santo Deus pela corrupção de coisas semelhantes a criaturas. Em outras palavras, amigos, o mais básico pecado que nós, não apenas pagãos em terras longínquas aborígenes ou em tribos primitivas, mas que nós cometemos, é o pecado da troca, a propensão à idolatria. E idolatria envolve religião.

Mas até mesmo a religião cristã pode ser idólatra, quando nós despimos Deus de seus verdadeiros atributos e colocamos no centro de nossa adoração algo que não seja o próprio Deus.

Se formos olhar para a essência da Teologia Reformada, eu tenho que dizer a vocês que o foco mais rigoroso da Teologia Reformada é na teologia! No conhecimento do Deus Verdadeiro.

Nós vivemos numa época em que as pessoas dizem que a teologia não é importante. Era isso que David Wells estava desacreditando em seu livro “Sem Lugar para a Verdade”. O que interessa é se sentir bem. Ser ministrado em nossas necessidades psicológicas. Ter um lugar onde possamos sentir o calor e a comunhão, e ter um senso de pertencer a algum lugar e relevância. E teologia é algo que divide. Algo que atiça controvérsias e debates. Dizem: “Nós não precisamos de doutrina! Precisamos de vida!”

No coração da Teologia Reformada está a afirmação de que teologia é vida. Pois teologia é o conhecimento de Deus. E não há conhecimento mais importante para informar nossas vidas do que o conhecimento de Deus.

É disso que se trata toda a Reforma. Havia escândalos no clero, havia problemas de imoralidade, tanto entre o povo católico romano, quanto entre o povo protestante. E Lutero naquele tempo disse: “Erasmo ataca o Papa em sua barriga, eu o ataquei em sua doutrina.” E Lutero ainda admitia que se encontrava comportamento escandaloso entre nosso próprio povo, mas o que nós estamos tentando fazer em primeiro lugar é chegar a um são entendimento de Deus. Pois nossas vidas nunca serão reformadas, nunca serão trazidas à conformidade com Cristo, antes de termos um claro entendimento da Forma Original, do Modelo, do Ideal, da verdadeira humanidade que é encontrada em Cristo. E isso é uma questão de teologia. Então comecem com o claro reconhecimento de que a fé reformada é uma teologia. Uma teologia que permeia toda a estrutura.

Fonte: Voltemos ao Evangelho


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O Evangelho do Entretenimento

"Existe um mal entre os que professam pertencer aos arraiais de Cristo, um mal tão grosseiro em sua imprudência, que a maioria dos que possuem pouca visão espiritual dificilmente deixará de perceber. Durante as últimas décadas, esse mal tem se desenvolvido em proporções anormais. Tem agido como o fermento, até que toda a massa fique levedada. O diabo raramente criou algo mais perspicaz do que sugerir à igreja que sua missão consiste em prover entretenimento para as pessoas, tendo em vista ganhá-las para Cristo".  [C. H. Spurgeon]



terça-feira, 12 de novembro de 2013

O evangelho como superação da religião


[por Ed René Kivitz]

O evangelho é a superação da religião. O cristianismo é uma religião. O evangelho é, portanto, a superação do cristianismo. O silogismo proposto carece de esclarecimentos. Não pode ser compreendido sem uma adequada noção dos conceitos de evangelho e religião.

O sociólogo venezuelano Otto Maduro, em seu livro “Religião” e “Luta de Classes”, define religião como “conjunto de discursos e práticas, referente a seres anteriores ou superiores ao ambiente natural e social, em relação aos quais os fiéis desenvolvem uma relação de dependência e obrigação”.

A definição de Otto Maduro permite identificar dois importantes aspectos do fenômeno religioso: seus fundamentos e sua lógica. Quanto aos fundamentos, a expressão “conjunto de discursos e práticas” aponta para as bases da religião: discursos, ou dogmas – corpo doutrinário; rito, ou práticas litúrgicas; e tabu, ou códigos morais. Considerados esses fundamentos, o evangelho não pode ser classificado como religião.

Embora tenha suas doutrinas e afirmações dogmáticas, a essência do evangelho é o relacionamento com uma pessoa – Jesus Cristo –, e não com um “conjunto de crenças” racional e cartesianamente organizado: “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Jo 17.3). Em relação aos ritos e práticas litúrgicas, sabemos que o evangelho extrapola absolutamente o cerimonialismo religioso e torna obsoleto o debate a respeito de onde e como adorar a Deus, pois “Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). A adoração legítima e autêntica é a consagração da vida como “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus” (Rm 12.1), em detrimento do que se faz nos templos, até porque “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas” (At 7.48), tendo como morada (Ef 2.20-22) uma casa espiritual construída com pedras vivas (1Pe 2.5).

Finalmente, o evangelho, cujo novo mandamento é amar com o amor do Cristo (Jo 13.34), jamais poderá se classificar como tabu, ou régua reguladora de comportamento moral, pois “no amor não há Lei” (Gl 5.22-23), o que estabelece a proposta cristã como uma nova consciência, baseada na mente (1Co 2.16) e na atitude do Cristo (Fp 2.5-11), que extrapolam qualquer enquadramento moral ou legal.

Considerando as categorias das ciências da religião que encaixam o fenômeno religioso na moldura dos dogmas, ritos e tabus, é surpreendente que o evangelho seja considerado religião. O evangelho é a superação da religião. Não é adesão a dogmas, mas relação mística com o Deus revelado em Jesus de Nazaré; não é celebrado em ritos, mas na dinâmica do Espírito que faz da vida toda uma festa para a glória de Deus; não se restringe à observação de regras comportamentais, mas se estabelece a partir de uma profunda transformação do ser humano, que é arrancado de si mesmo na direção de seu próximo em amor.

A definição de Otto Maduro permite também perceber a lógica inerente ao fenômeno religioso: a “relação de obrigações e benefícios” com os “seres superiores”. A religião se sustenta na lógica da justiça retributiva: o fiel cumpre suas obrigações e recebe a bênção; falha no cumprimento do que lhe compete no contrato com a divindade e em troca recebe o castigo e a maldição. A impossibilidade humana de atingir quaisquer que sejam os padrões definidos pelos deuses, ou mesmo Deus, faz surgir necessariamente o sistema sacrificial. Por definição, o divino está na categoria da perfeição, enquanto o humano, da finitude e da imperfectibilidade moral. Para escapar dos castigos e maldições, a religião oferece os sacrifícios compensatórios, necessários para afastar a ira dos deuses e conquistar seus favores.

O evangelho é a superação das relações de mérito (justiça retributiva) e dos sistemas sacrificiais. Jesus é “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29), e inaugura uma nova dimensão de relação entre Deus e os homens, não mais baseada no mérito, mas na graça, a elegante opção autodeterminada de Deus de abençoar “bons e maus, justos e injustos”, pois “Deus é amor” (1Jo 4.8). Aquele que se apropria do evangelho sabe que “Aquele que não poupou a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós”, também “nos dará juntamente com ele, pela graça, todas as coisas” (Rm 8.32), e desfruta a liberdade e a paz com Deus e a paz de Deus (Rm 5.1; 8.1), pois “o amor lança fora todo o medo” (1Jo 4.18).

À sombra da cruz do Calvário, onde o escandaloso amor de Deus é revelado (Jo 3.16; 1Co 1.23), é surpreendente que o evangelho seja encaixotado nas categorias da religião, que tem como fundamento as “relações de obrigações e benefícios”, e sobrevive de enclausurar corações e consciências nos limites estreitos do medo e da culpa.

É urgente a melhor compreensão dos termos que estabelecem a distinção entre o evangelho de Jesus Cristo e o cristianismo compreendido nos termos das ciências da religião. O cristianismo, como sistema religioso organizado e institucionalizado, é culpado do pecado de quebra do terceiro mandamento. O cristianismo, em qualquer período da história e contexto sociocultural, se assemelha muito mais a todos os demais fenômenos religiosos que ao evangelho que pretendeu superar. É uma pena que os cristãos estejam, ainda hoje, exageradamente apegados às discussões e aos debates dogmáticos, aprisionados a cerimoniais ritualísticos templocêntricos e clericais, quixotesca e desnecessariamente ocupados na tentativa de subjugar e controlar moralmente o comportamento social, e tristemente, escravizados pelos sistemas sacrificiais e meritórios, que não fazem mais do que multiplicar as fileiras dos “decepcionados com Deus”.

Chegou o tempo quando homens e mulheres que serão tomados por loucos devem, em plena manhã, acender uma lanterna, correr aos templos cristãos e gritar incessantemente: “Onde estão aqueles que não se envergonham do evangelho?”.

Fonte: Revista Ultimato, ed. 340


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O pecado da simonia - Uma versão protestante


Simonia – a palavra pode ser nova para muitos leitores, mas a prática é bastante antiga no âmbito do cristianismo. Na Idade Média, surgiu uma série de distorções na vida do clero e na administração eclesiástica. Três erros se destacaram por serem considerados especialmente danosos. O primeiro foi o “nicolaísmo”, termo derivado incorretamente de Apocalipse 2.15, o fato de que muitos clérigos viviam em concubinato, violando assim os seus votos solenes de castidade e celibato. A segunda prática condenada foram as chamadas “investiduras leigas”, isto é, a interferência de governantes civis (reis e imperadores) na nomeação e posse de altos líderes eclesiásticos, como abades e bispos. O terceiro mal na vida da igreja, esse certamente deletério sob todos os pontos de vista, foi a “simonia”.

Esse comportamento derivou o seu nome de Simão, o mágico, um personagem bíblico que tentou comprar dos apóstolos Pedro e João o poder de conceder o Espírito Santo àqueles sobre os quais ele impusesse as mãos (At 8.18-24). Assim, a simonia veio a se referir à concessão ou obtenção de qualquer coisa espiritual ou sagrada mediante remuneração, fosse ela monetária ou de outra espécie. Em outras palavras, era a compra e venda de coisas religiosas. Cometia esse pecado quem oferecia e quem recebia pagamento em troca de um bem espiritual ou eclesiástico. Na Idade Média, referia-se principalmente ao comércio de cargos da igreja. Um papa que se notabilizou por sua luta incessante contra esses males foi Hildebrando, ou Gregório VII (1073–1085), que adotou como lema de seu pontificado as contundentes palavras de Jeremias 48.10: “Maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente!”.

Curiosamente, em certo sentido a Reforma Protestante surgiu como consequência de dois casos de simonia. Um deles foi a compra do arcebispado de Mainz, ou Mogúncia, na Alemanha, pela poderosa família Hohenzollern, mediante uma negociação questionável com o papa Leão X envolvendo altas somas de dinheiro. O segundo caso ocorreu quando o novo arcebispo (e futuro cardeal) Alberto de Brandenburgo promoveu uma venda especial de indulgências, cujos rendimentos foram utilizados em parte para saldar a dívida da compra do arcebispado, sendo a outra parte entregue ao papa para financiar a construção da catedral de São Pedro, em Roma. A reação de Martinho Lutero contra esse comércio do perdão, mediante suas Noventa e Cinco Teses, foi o estopim da Reforma.

Durante séculos, o ministério protestante foi caracterizado por elevados padrões éticos, especialmente na sensível área das finanças. Seguindo o exemplo de Cristo e seus apóstolos (At 20.33s; 2Co 11.7), a maior parte dos pastores e líderes procuravam realizar o seu trabalho como uma expressão de serviço desinteressado a Deus e às pessoas, isento de ambições materiais. Mesmo indivíduos de grande projeção, como avivalistas e evangelistas de massa (Wesley, Whitefield, Spurgeon, Billy Graham e outros), jamais usaram de seu grande carisma e influência para auferir vantagens pecuniárias e aumentar o seu patrimônio. Tal comportamento sóbrio e consciencioso ocorreu em todos os ramos do protestantismo, tanto os tradicionais ou históricos como, mais tarde, os pentecostais clássicos.

Esse honroso legado sofreu um abalo lamentável e constrangedor no Brasil, a partir da década de 1970, com o surgimento do chamado neopentecostalismo. Firmados numa teologia duvidosa, resultante de uma interpretação tendenciosa e altamente seletiva das Escrituras, os principais líderes desse movimento vêm demonstrando uma atitude em relação ao dinheiro que em nada difere do velho pecado da simonia. Servindo-se do poderoso veículo da televisão e manipulando com habilidade as carências e ambições de uma considerável parcela da população, esses pregadores têm transformado o evangelho e suas bênçãos em mercadoria e fonte de lucro (2Co 2.17; 1Tm 6.5,10).

A recepção de benefícios como a cura, a prosperidade e a felicidade é condicionada à entrega de contribuições, dando-se a entender que as bênçãos serão proporcionais à generosidade do ofertante. Fica inteiramente esquecido o ensino claro de Jesus: “[...] de graça recebestes, de graça dai” (Mt 10.8). Em consequência disso, surgiu uma geração de pastores-empresários que estão se colocando entre os homens mais ricos do país. Dominados pela ganância condenada com tanta veemência nas Escrituras (1Ts 2.5; Tt 1.7; 1Pe 5.2), estão acumulando grandes fortunas na forma de mansões, fazendas, carros de luxo e, agora, o símbolo máximo dos novos ricos – jatinhos particulares. Eles influenciam de tal forma os seus seguidores que estes, além de não questionarem tal procedimento, acham que seus líderes merecem os privilégios que usufruem.

Não se discute que os obreiros cristãos sejam remunerados condignamente pelo seu trabalho (2Co 8.14). O que se lamenta é a mercantilização da fé, que tantos prejuízos tem trazido para a causa de Cristo ao longo dos séculos, obscurecendo a graça de Deus, o seu favor imerecido. Os modernos simoníacos não só estão manchando para sempre a sua própria reputação, mas também contribuindo para prejudicar a imagem de toda a classe ministerial e das comunidades evangélicas. Suas ações têm produzido e continuarão a produzir reações negativas da imprensa, da opinião pública e dos governantes. Eles fariam bem em considerar as palavras ditas pelos apóstolos a Simão, o mágico – e se arrependerem enquanto é tempo.

Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e "Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil". asdm@mackenzie.com.br

Fonte: Revista Ultimato, ed. 342

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Cristo não é o sobrenome de Jesus: descubra o que esse título significa


[Por R.C. Sproul]


Por todo o Novo Testamento, nós encontramos muitos títulos para Jesus de Nazaré—"Filho de Deus", "Filho do Homem", "Senhor", entre outros. No entanto, o título que é mais frequentemente dado a Jesus no Novo Testamento é aquele que nos é familiar, mas que nós não entendemos bem. É o título de "Cristo".

Por que eu digo que nós não entendemos bem esse título? Eu digo isso porque "Cristo" é utilizado tantas vezes em conjunto com o nome "Jesus", que temos a tendência de pensar que esse é o seu sobrenome. No entanto, "Cristo" não é um sobrenome para Jesus. Ele teria sido conhecido como "Jesus Bar-José", que significa "Jesus, filho de José". Ao invés disso, "Cristo" é o título supremo de Jesus. Mas o que isso significa?

O significado de Cristo é tirado do Antigo Testamento. Deus prometeu aos antigos israelitas que o Messias viria para libertá-los do pecado. A ideia do Messias é transportada para o Novo Testamento com o título de Cristo. A palavra grega Christos, de onde nós obtemos a palavra Cristo, em português, é a tradução do termo hebraico Mashiach, que é a fonte para a palavra Messias, em português. Mashiach, por sua vez, está relacionada com o verbo hebraico masach, que significa "ungir". Portanto, quando o Novo Testamento fala de Jesus Cristo, ele está dizendo "Jesus, o Messias", que significa literalmente "Jesus, o Ungido".

Nos tempos do Antigo Testamento, as pessoas eram ungidas quando chamadas para servirem como profeta, sacerdote ou rei. Por exemplo, quando Saul foi o primeiro rei de Israel, o profeta Samuel ungiu sua cabeça com óleo, de forma cerimonial (1 Samuel 10:1). Este rito religioso foi realizado para mostrar que o rei de Israel tinha sido escolhido e capacitado por Deus para o reinado. Da mesma forma, os sacerdotes (Êxodo 28:41) e profetas (1 Reis 19:16) foram ungidos segundo o mandamento de Deus. Em certo sentido, qualquer um no Antigo Testamento que tenha sido separado e consagrado para servir era um messias, por ter recebido uma unção.

Mas o povo de Israel ansiava por aquele indivíduo prometido que era para ser, não apenas um messias, mas o Messias, Aquele que seria separado e consagrado por Deus de forma suprema para ser o Profeta, Sacerdote e Rei do povo. Assim sendo, no momento em que Jesus nasceu, existia uma grande expectativa entre os judeus que haviam esperado pelo Messias durante séculos.

Surpreendentemente, quando Jesus começou o seu ministério público, poucos o reconheceram por quem ele era, apesar das muitas evidências de que ele possuía uma unção de Deus que ultrapassou em muito aquela que repousara sobre qualquer outro homem. Sabemos que houve uma grande confusão a seu respeito, mesmo depois dele haver ministrado por algum tempo. Em um ponto, Jesus perguntou aos seus discípulos: "Quem diz o povo ser o Filho do Homem?" (Mateus 16:13 b). Ele estava analisando a sua cultura, verificando os rumores sobre si mesmo. Em resposta à pergunta de Jesus, os discípulos enumeraram vários pontos de vista que estavam sendo apresentados: "Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias ou algum dos profetas" (versículo 14). Jesus estava sendo identificado com todos os tipos de pessoas, mas nenhuma dessas especulações estava correta.

Em seguida, Jesus perguntou aos discípulos: "Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?" (versículo 15b). Pedro respondeu com o que é conhecido como a grande confissão, uma declaração de sua crença sobre a identidade de Jesus: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (versículo 16). Com essas palavras, Pedro declarou que Jesus era o Christos, o Mashiach, o Ungido.

Então Jesus disse algo interessante. Ele disse a Pedro que este era abençoado por ter aquela compreensão da identidade de Jesus. Por que ele disse isso? Jesus explicou: "porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus" (versículo 17). Pedro havia recebido uma revelação divina de que Jesus era o Messias, não era algo que ele havia discernido pela sua própria capacidade. Novamente, isso me deixa maravilhado, porque alguém poderia pensar que quase todo mundo que encontrou Jesus o tenha reconhecido imediatamente como o Messias. Afinal, não há falta de informação no Antigo Testamento sobre a vinda do Messias—onde ele nasceria, como ele se comportaria e que poder ele manifestaria— e todos podiam ver o que Jesus estava fazendo—ressuscitando pessoas dentre os mortos, curando todos os tipos de doenças e ensinando com grande autoridade. Mas, é claro, eles não o reconheceram. A unção de Jesus não era imediatamente aparente.

Muitas pessoas hoje em dia têm coisas positivas a dizer sobre Jesus como um modelo de virtude, um grande mestre e assim por diante, mas eles não chegam a dizer que ele é o Messias. Esta é a grande diferença entre cristãos e não cristãos. Só quem nasceu de novo pode confessar que Jesus é o Cristo. Você pode?

Fonte: http://voltemosaoevangelho.com

Falsificando a Palavra de Deus


A grande reivindicação do apóstolo Paulo foi nunca haver falsificado a Palavra de Deus. Infelizmente, porém, muitos o fazem hoje. Como?
Primeiramente, por meio de manipulação psicológica ou de “lavagem cerebral”. Você pode mudar as atitudes das pessoas para com o cristianismo, mediante o retirá-las de seu ambiente familiar, levá-las a menosprezar os seus laços familiares, por meio da utilização de horas contínuas de cânticos e de música ritmada, mediante o construir uma dependência dos líderes, ou por roubar-lhes o sono, ou estimular suas emoções, ou ameaçá-las com terríveis juízos, se elas abandonarem o seu grupo, ou por forçá-los a seguirem um regime de estudos, ou, ainda, por meio de devoções e de testemunho pessoal do evangelho nas ruas, semanalmente.
Este excessivo programa degrada e insulta as pessoas. Nenhum crente genuíno, que acredita na verdade bíblica e no ensino de que o homem e a mulher foram criados à imagem de Deus, desejaria seguir por muito tempo um tipo de programa desses.

Não Está à Venda

Em segundo lugar, por meio da utilização de técnicas de marketing. Vivemos em uma sociedade em que os anúncios dizem às pessoas que coisas admiradas e desejadas por elas estão sendo oferecidas aqui e agora mesmo. A igreja pode tomar para si essa idéia e começar a se tornar proeminente em oferecer às pessoas ajuda a respeito de como lidar com seus relacionamentos ou com a solidão, aconselhando-as sobre como se tornarem pessoas bem-sucedidas ou como se recuperarem de vícios ou depressões, etc.
Esta, porém, não é a mensagem cristã e jamais pode tornar-se a mensagem cristã. Deus, que é nosso Criador e Juiz, nos tem dado sua própria mensagem. A Bíblia não está à venda; portanto, ela não precisa de vendedores eficazes. A Bíblia não está à procura de patrocinadores. Não pode haver descontos, nem ofertas especiais por meio dos quais os pecadores podem obter alguma coisa ao preço que eles desejam.
O evangelho é sempre gratuito, mas nos foi trazido a um custo terrível pelo Senhor Jesus. O evangelho não precisa de qualquer intermediário. A Bíblia não está em competição com outras comodidades que são oferecidas aos consumidores no mercado de pechinchas da vida. O evangelho não está aqui para ser vendido a qualquer preço para o mais experimentado licitante.
O mundo tem dificuldade em elevar os homens para alcançarem o seu preço; nós temos dificuldade em fazer os homens rebaixarem-se para atingir o preço de Deus — “Nada em minha mão eu trago, tão-somente à cruz me apego”.

Transformado

Em terceiro lugar, por meio da incredulidade modernista. A Dra. Eta Linnemann era uma acadêmica em uma universidade da Alemanha. Ela estudou sob a instrução de Rudolf Bultmann e Ernst Fuchs; ela pertencia à mesma escola anti-sobrenatural de filosofia deles.
Ela ingressou numa carreira de autora e professora de teologia, na Alemanha Ocidental. Sua abordagem básica, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, dizia o seguinte: “Qualquer que seja o significado do texto bíblico, ele não pode ser verdadeiro. Por isso, constantemente encontramos dificuldades no texto das Escrituras e, em seguida, nós as solucionamos com ingenuidade”.
Falsificação é a essência do modernismo e quase destruiu a Dra. Eta Linnemann. Mas ela encontrou-se com alguns crentes vibrantes que conheciam pessoalmente a Jesus como seu Senhor e Salvador.
Ela escreveu: “Deus agarrou minha vida em seus laços salvadores e começou a transformá-la de maneira radical. Minhas inclinações destrutivas foram substituídas por uma fome pela Palavra dEle e pela comunhão com os verdadeiros cristãos..."
Repentinamente, ficou claro para mim que meu ensino era um caso de um cego guiando outro cego. Eu me arrependi da maneira errada como havia instruído os meus alunos. Um mês depois disso, sozinha em meu quarto, distante de qualquer influência de outros ao meu redor, deparei-me com uma decisão momentosa.
“Eu continuaria a controlar a Bíblia, utilizando meu intelecto, ou permitiria que meu raciocínio fosse transformado pelo Espírito Santo? João 3.16 trouxe luz a esta decisão, pois eu havia experimentado a verdade desse versículo. Minha vida agora considerava o que Deus havia feito por mim” (Historical Criticism of the Bible, pp. 18-19).

Surdos Para a Voz de Deus

A Dra. Eta Linnemann chamou de “veneno” o seu ensino anterior; ela destruiu seus escritos publicados e tornou-se uma missionária na Indonésia. Isso está exatamente de acordo com o que o apóstolo afirmou em 2 Coríntios 4.2: “Pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus”.
Os liberais pararam de buscar a sabedoria de Deus por meio das Escrituras e se tornaram surdos para a voz reformadora de Deus na igreja. Arruinados pelo racionalismo, eles se tornaram incapazes de receber a Bíblia como a Palavra de Deus para o homem, aceitando-a apenas como a palavra do homem a respeito de Deus.
Eles crêem que os seres humanos são fundamentalmente bons, que não existe ninguém perdido e que crer em Jesus não é necessário para a salvação, embora auxilie algumas pessoas.
As igrejas liberais não poderiam abandonar a terminologia bíblica e, ainda, pretenderem ser cristãs. Por isso, os termos bíblicos receberam significados diferentes.

Qual é a agenda?

O “pecado” tornou-se ignorância ou, ainda, a negligência de certas estruturas sociais. E “Jesus” tornou-se um modelo para um viver criativo — um exemplo ou um revolucionário. A “salvação” tornou-se libertação da opressão.
A “fé” se torna a conscientização da opressão e a vontade de fazer algo a respeito dessa opressão. O “evangelismo” significa trabalhar para vencer a injustiça entrincheirada.
O tema do Concílio Mundial de Igrejas, em 1964, foi: “O Mundo Tem de Estabelecer a Agenda”. Os liberais crêem que os interesses da Igreja devem ser os mesmos do mundo, embora isso envolva a exclusão do evangelho.
Fome, racismo, ecologia, envelhecimento, ou qualquer outro assunto que era crucial para o mundo, deveria ser a primeira preocupação para o povo cristão. Mas Deus não somente nos deu a sua Palavra para pregarmos; Ele nos deu também os métodos para realizarmos a sua obra: participação, persuasão e oração.
No entanto, renomadas igrejas têm lançado fora esses métodos, em troca de poder, política e dinheiro.

A Bíblia é Adequada?

Os evangélicos modernos não são conscientemente heréticos. A Bíblia é a Palavra de Deus? É claro que sim. Ela é a autoridade absoluta? Sim, com certeza. É inerrante? A maioria dos evangélicos afirmam a inerrância das Escrituras.
Muito deles, porém, não crêem que a Bíblia é adequada para satisfazer os desafios contemporâneos da Igreja ou que ela é suficiente para ganhar as pessoas para Cristo. Eles têm se voltado para sermões que visam às “necessidades sentidas” das pessoas, para o entretenimento ou para os “sinais e maravilhas”.
A Bíblia (eles dizem) é insuficiente para empreender o crescimento cristão; por isso, eles se voltam para grupos de terapia ou para o aconselhamento cristão. A Bíblia é insuficiente para tornar conhecida a vontade de Deus; por isso, eles buscam sinais externos e revelações.
A Bíblia é inadequada para mudar nossa sociedade; portanto, eles procuram estabelecer o grupo de lobby dos evangélicos no Congresso Nacional e trabalham para eleger deputados, senadores, presidentes e outros oficiais evangélicos. Eles procuram mudanças por meio do poder político e do dinheiro.

Que mensagem?

Assim como os liberais, alguns que se declaram evangélicos estão atribuindo um novo significado às palavras da Bíblia, lançando termos seculares e terapêuticos sobre a terminologia espiritual.
O pecado se torna um comportamento disfuncional; a salvação se transforma em auto-estima ou em integralidade; e Jesus, apenas um exemplo para um viver correto. Esta é a mensagem que se proclama domingo após domingo.
Deste modo, a Palavra de Deus está sendo falsificada novamente. Mas o cristianismo prospera não por oferecer às pessoas aquilo que elas já têm, e sim por oferecer o que elas estão necessitando desesperadamente — a Palavra de Deus e a salvação por intermédio do Senhor Jesus Cristo.

Fonte: www.ministeriofiel.com.br


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Comentário de Deuteronômio 13:5


[Por João Calvino]
“Após o Senhor vosso Deus andareis, e a ele temereis, e os seus mandamentos guardareis, e a sua voz ouvireis, e a ele servireis, e a ele vos achegareis. E aquele profeta ou sonhador de sonhos morrerá, pois falou rebeldia contra o Senhor vosso Deus, que vos tirou da terra do Egito, e vos resgatou da casa da servidão, para te apartar do caminho que te ordenou o Senhor teu Deus, para andares nele: assim tirarás o mal do meio de ti”. (Deuteronômio 13:4-5)
Como os ministros de Satanás enganam os homens pela aparência exterior, quando se apresentam como sendo profetas de Deus, Moisés admoestou que os mestres não devem ser todos escutados indiscriminadamente, mas que os verdadeiros deveriam ser distinguidos dos falsos e que, tendo disso julgados, somente os que merecessem deveriam ser reconhecidos. Agora ele acrescentou o castigo daqueles que se introduzem com o título de profeta para conduzir o povo à rebelião. Ele não condena à pena capital aqueles que porventura espalham alguma falsa doutrina por conta de algum erro particular ou trivial, mas aqueles que são os autores da apostasia e que arrancam a religião pela raiz. Observe, também, que a ocasião para esta severidade não seria até que a religião fosse positivamente estabelecida e, portanto, a gravidade da impiedade é expressamente mencionada – aqueles que tentam desviar o povo do culto ao Deus verdadeiro. Além disso, para que todas as desculpas fossem anuladas, Moisés disse que quem Deus é e a maneira com que Ele deve ser cultuado era suficientemente manifesto pela maravilhosa benção da redenção deles e também pela doutrina da Lei. Portanto, para que Deus manifestasse que um castigo tão severo é justamente aplicado contra apóstatas, Ele declarou a certeza daquela religião que deveria existir entre os israelitas, de forma que nenhum perdão poderia ser concedido a um desprezo tão iníquo, pois Deus havia abundantemente provado a glória de Sua Divindade pelo milagre da redenção deles e havia revelado Sua vontade na Lei.
É preciso lembrar, então, que o crime da impiedade não deve ser castigado, a menos que a religião tenha sido recebida por consentimento público e sufrágio do povo e também sendo sustentada por provas seguras e incontestáveis, de forma que sua verdade seja posta acima do alcance da dúvida. Desta forma, apesar de ser absurda a severidade daqueles que defendem a superstição por meio da espada, homens profanos, pelos quais a religião é subvertida, de forma alguma podem ser tolerados em um governo político bem instituído. Aqueles que desejam ser livres para causar perturbações sem serem punidos não são capazes de tolerar isso e, portanto, chamam de sanguinários aqueles que ensinam que os erros pelos quais a religião é solapada e destruída devem ser reprimidos pela autoridade pública. Mas o que eles ganharão com seus desvarios públicos contra Deus? Deus ordena que os falsos profetas, que arrancam os fundamentos da religião e são os autores e líderes da rebelião, sejam mortos. Um patife ou outro contesta isso e se coloca contra o autor da vida e da morte. Que insolência é essa! Quanto ao que afirmam, que a verdade de Deus não precisa de um apoio assim, isto é muito verdadeiro. Mas qual é o sentido desta insanidade, de impor uma lei sobre Deus, de que Ele não pode fazer uso da obediência dos magistrados para este fim? Qual é o benefício de questionar a necessidade disso, se agrada tanto a Deus? Deus pode, de fato, dispensar o auxílio da espada na defesa da religião, mas esta não é Sua vontade. E por que isso causa surpresa, que Deus ordena que os magistrados sejam vingadores de Sua glória, se Ele não deseja nem tolera que roubos, fornicações e bebedeiras sejam isentos de castigo? Em ofensas menores, não é lícito que os juízes hesitem, mas quando o culto a Deus e toda religião é violada, tamanho crime será encorajado pela dissimulação? Pena capital será decretada contra adúlteros, mas os odiadores de Deus terão autorização para adulterar a salvação sem impunidade, para desviar almas miseráveis da fé? O perdão nunca será concedido para aqueles que envenenam as pessoas, pelo qual somente o corpo sofre danos, mas não há problemas em entregar as almas à eterna destruição? Finalmente, se a autoridade do próprio magistrado for atacada, haverá vingança por isso, mas tolerará que o santo nome de Deus seja profanado? O que pode ser mais monstruoso!? Mas será supérfluo contestar com qualquer argumento quando o próprio Deus já pronunciou qual é Sua vontade, pois nós temos que observar seu inviolável decreto.
Mas é questionado se esta lei pertence ao Reino de Cristo, que é espiritual e distinto de todo reino terreno; e há alguns homens que não são mal-intencionados e que entendem que nossa condição sob o Evangelho é diferente daquele do antigo povo de baixo da Lei, não somente porque o Reino de Cristo não é deste mundo, mas porque Cristo não quis que o princípio de Seu Reino fosse auxiliado pela espada. Mas, quando juízes humanos consagram seu trabalho ao incentivo do Reino de Cristo, eu nego que, por conta disso, sua natureza seja mudada. Pois ainda que fosse da vontade de Cristo que Seu Evangelho fosse proclamado por Seus discípulos em oposição ao poder do mundo inteiro (e Ele os desmascarou armado com a Palavra somente, como ovelha no meio de lobos), Ele não impôs em Si mesmo uma lei eterna de que Ele nunca faria os reis se sujeitarem a Ele, que Ele nunca domaria a violência deles ou que Ele nunca faria com que fossem transformados, de cruéis perseguidores a patronos e guardiões de Sua Igreja. Inicialmente, os magistrados exerceram tirania contra a Igreja porque o tempo ainda não havia chegado em que “beijariam o Filho” (Sl 2:12) e, deixando a violência de lado, se tornariam os aios da Igreja que eles haviam atacado, conforme a profecia de Isaías que, sem dúvidas, se refere a vinda de Cristo (Isaías 49:6-23). Nem foi sem motivo que quando Paulo ordenou que as orações fossem feitas pelos reis e outros governantes terrenos, ele que era para que “tenhamos uma vida quieta e sossegada, em toda a piedade e honestidade” (I Tm 2:2).
Como Cristo é verdadeiro manso, reconheço que Ele requer que imitemos Sua mansidão e gentileza. Mas isso não impede os magistrados piedosos de providenciar a tranquilidade e segurança da Igreja pela defesa da piedade. Negligenciar essa parte de suas obrigações seria a maior perfídia e crueldade. Nada pode ser tão mais vil do que que tratar a salvação das almas como insignificante quando vemos estas almas miseráveis sendo levadas à destruição eterna pela impunidade concedida a impostores ímpios, iníquos e perversos.Mas, se sob este pretexto, os supersticiosos já ousaram derramar sangue inocente, eu respondo que o mandamento de Deus não pode ser anulado por qualquer abuso ou corrupção dos homens. Pois, se a mera causa da morte abundantemente distingue os mártires de Cristo dos malfeitores, ainda que o castigo seja idêntico, então os executores do Papa não podem, pela injusta crueldade, fazer com que o zelo de piedosos magistrados, ao castigar mestres falsos e nocivos, deixe de ser agradável a Deus. E isso é admiravelmente expresso nas palavras de Moisés, quando ele os faz lembrar que o juízo precisa ser segundo a Lei de Deus. Eu já disse que essa severidade não deve incluir erros particulares, mas somente onde a impiedade se transforma em rebelião. Quando é dito, “para te apartar do caminho que te ordenou o SENHOR teu Deus” (Dt 13:5), concluímos que ninguém deve ser entregue ao castigo, exceto aqueles que foram convencidos pela clara Palavra de Deus, para que não sejam arbitrariamente julgados pelos homens. A partir dai, conclui-se também que o zelo estará errado se usar a espada precipitadamente, sem que tenha existido anteriormente uma investigação legal.
Fonte: http://resistireconstruir.wordpress.com/

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O genuíno sentido do domingo

[João Calvino]

Contudo, não foi sem alguma razão que os antigos escolheram o dia do domingo para pô-lo no lugar do sábado. Ora, como na ressurreição do Senhor está o fim e cumprimento daquele verdadeiro descanso que o antigo sábado prefigurava, os cristãos são advertidos pelo próprio dia que pôs termo às sombras a não se apegarem ao cerimonial envolto em sombras. Nem a tal ponto, contudo, me prendo ao número sete que obrigue a Igreja à sua servidão, pois nem haverei de condenar as igrejas que tenham outros dias solenes para suas reuniões, desde que se guardem da superstição. Isto ocorrerá, se se mantiver a observância da disciplina e da ordem bem regulada.

A síntese do mandamento é: como aos judeus a verdade era comunicada sob prefiguração, assim ela, em primeiro lugar, nos é outorgada sem sombras, para que por toda a vida observemos um perpétuo sabatismo de nossos labores, a fim de que o Senhor em nós opere por seu Espírito; em segundo lugar, para que cada um, individualmente, sempre que disponha de lazer, se exercite diligentemente na piedosa reflexão das obras de Deus. Então, ainda, para que todos a um tempo observemos a legítima ordem da Igreja, constituída para ouvir-se a Palavra, para a administração dos sacramentos, para as orações públicas. Em terceiro lugar, para que não oprimamos desumanamente os que nos estão sujeitos.

E assim se desvanecem-se as mentiras dos falsos profetas, os quais, em séculos transatos, imbuíram o povo de uma opinião judaica, asseverando que nada mais foi cancelado senão o que era cerimonial neste mandamento, com isto entendem em seu linguajar a fixação do dia sétimo, mas remanescer o que é moral, isto é, a observância de um dia na semana. Com efeito, isto outra coisa não é senão mudar o dia por despeito aos judeus e reter em mente a mesma santidade do dia, uma vez que ainda nos permanece nos dias sentido de mistério igual ao que tinha lugar entre os judeus. E de fato vemos que proveito têm fruído com tal doutrina, pois quantos deles se apegam às estipulações superam três vezes aos judeus em sua crassa e carnal superstição de sabatismo, de sorte que as reprimendas que lemos em Isaías [1.13-15; 58.13] nada menos lhes convêm hoje que àqueles a quem o Profeta increpava em seu tempo.

Contudo, importa manter-se, principalmente, o ensino geral: para que a religião não pereça ou enlanguesça entre nós, devem ser realizadas diligentemente as reuniões sagradas e deve dar-se atenção aos meios externos que servem para fomentar o culto divino.

Fonte: bereianos.blogspot.com.br

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Quão Firme Fundamento!


[Steven J. Lawson]

Nenhum edifício erigido por mãos humanas pode ser e permanecer sólido e forte, a não ser que os seus alicerces estejam bem fixos e sejam firmes. Um edifício alto não pode ser construído sobre uma fundação tendente a fragmentar-se. Não se deve construir um edifício sobre mero lixo ou entulho. Sem uma base sólida e sem colunas enterradas profundamente, a estrutura superior cairá. E mais, quanto mais alto o edifício, mais profundas as colunas devem ser. A solidez estrutural do edifício todo repousa completamente na firmeza do alicerce.

Em nenhum outro lugar essa verdade é mais aplicável do que na construção da igreja, que é "uma casa espiritual" (1Pe 2.5). Jesus Cristo em pessoa é o único edificador da igreja, como prometeu: "Edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la" (Mt 16.18b). Cristo não disse "vocês edificarão a minha igreja". Tampouco disse: "Eu edificarei a igreja de vocês". Em vez disso, afirmou: "[Eu] edificarei a minha igreja". Cristo, pessoalmente, está construindo a sua igreja, e, como um sábio construtor, está estabelecendo-a sobre fundação de sólidas pedras – o sólido fundamento da doutrina (Ef 2.20).

Amarras Inamovíveis da Graça Soberana

A pedra angular, a principal pedra de uma igreja construída por mãos divinas, é a fé no senhorio de Jesus Cristo. Afinal de contas, foi essa a grande confissão de Pedro – "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mt 16.16) – que deu azo à grande promessa de Jesus de que construiria soberanamente a sua igreja. Há, porém, outras amarras inamovíveis da igreja, além desta de que acabamos de falar. No processo de edificar a sua igreja, o Senhor Jesus levanta e coloca nos respectivos lugares as fortes colunas e os fortes componentes de tudo quanto ensinou – o completo conselho de Deus. Jesus ordenou que os seus discípulos ensinassem "tudo o que eu lhes ordenei" (Mt 28.20, com ênfase em tudo). As verdades que Cristo ensinou constituem a fundação sólida e segura. E no coração mesmo do seu ensino doutrinário está um inequívoco compromisso com a soberania da graça divina. Estas verdades centrais formam a sólida base do firme fundamento da igreja. A igreja que é construída sobre as doutrinas da graça, é erguida sobre a inexpugnável rocha da revelação divina. Que firme fundamento tal igreja tem!

Mas, triste é dizer, a igreja atual parece ter a intenção de retirar as doutrinas da graça do seu alicerce. Em vez disso, prefere construir com madeira, palha e restolho sobre areia movediça. Uma igreja assim pode ter uma impressionante aparência externa, e, portanto, pode atrair muita gente. Mas, interiormente ela não é espiritual, é instável, e, pior, em grande parte não é convertida. Tal igreja, construída sobre um alicerce tão frágil não pode ter esperança de subsistir nos dias de tribulação. Mas a história registra que quando uma igreja é edificada com o ouro, a prata e as pedras preciosas de uma mensagem centrada em Deus, ela é fortalecida e pode resistir aos mais difíceis temporais. Nem mesmo os ventos tempestuosos da apostasia, da perseguição e das terríveis chamas do martírio podem fazê-la cair. De fato, sempre que a igreja é edificada sobre a sólida rocha da graça soberana de Deus, ela permanece inamovível, como inamovível tem permanecido nas horas mais tenebrosas da história.

A Graça Soberana: um Firme Fundamento

As verdades da graça soberana formam o mais forte fundamento doutrinário para qualquer igreja ou crente. As doutrinas relacionadas com a soberania de Deus na salvação do homem lançam a mais sólida pedra angular e, assim, protegem firmemente a vida e o ministério do povo de Deus. O culto na igreja é mais puro quando o ensino dessa igreja sobre a graça soberana é mais claro. Seu modo de viver é mais limpo quando a sua exposição das doutrinas da graça é mais rica. Sua comunhão é mais agradável quando a instrução sobre a soberania de Deus é mais firme. Sua obra de evangelização no mundo é mais forte quando a sua proclamação da teologia transcendental é mais ousada. A vida espiritual da igreja toda é elevada quando a sua mensagem está ancorada no mais alto conceito sobre a graça soberana de Deus. Foi nos tempos da história em que as doutrinas da graça eram apresentadas em sua rica plenitude, que a igreja esteve melhor. Eis onde permanece o firme fundamento da igreja: nas enriquecedoras verdades da graça soberana.

A respeito desse sólido fundamento, Benjamin B. Warfield escreveu:

Pois bem, estes Cinco Pontos compõem uma unidade orgânica, um singular e uno corpo da verdade. Eles estão baseados em duas pressuposições que a Escritura endossa abundantemente. A primeira pressuposição é a completa impotência do homem, e a segunda é a absoluta soberania de Deus em sua graça. Todos os demais pontos são decorrências. O local de encontro desses dois fundamentos é o coração do Evangelho, pois, se o homem é totalmente depravado, segue-se que é necessário que a graça de Deus em salvá-lo seja soberana. De outro modo, o homem inevitavelmente a recusará em sua depravação, e permanecerá não redimido.”1

Warfield está certo em sua avaliação. A culpa humana e a graça divina se cruzam no Evangelho, e as doutrinas da graça soberana retratam vividamente a grandiosidade da obra de salvação planejada e operada por Deus.

Sobre este ponto, Boice declara sucintamente: "As doutrinas da graça permanecem ou caem juntas, e juntas apontam para uma verdade central: a salvação é toda de graça porque é toda de Deus; e, porque é toda de Deus, é toda para a sua glória".2

Toda a glória seja para Deus, que supre toda a graça.

Referências
1 B. B. Warfield, "A Review of Studies in Theology", em Selected Shorter Writings of Benjamin B. Warfield, II, ed. John E. Meeter (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed, 1973), 316.
2 Boice e Ryken, The Doctrines of  Grace: Rediscovering the Evangelical Gospel, 32.

Fonte: extraído do blog  www.ministeriofiel.com.br