sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O beneplácito de Deus é a causa da Lei

[João Calvino]

Ao colocar diante de nós a Sua lei como padrão de justiça, Deus baseou cada uma das suas exigências no seu beneplácito; concluímos disso que nada é tão aceitável a Ele como obediência à sua vontade. Este ponto é digno da nossa mais cuidadosa consideração, porque a mente do homem está continuamente disposta a inventar novos modos de culto para granjear a aprovação de Deus. Em todas as eras, esta religião irreligiosa tem-se mostrado e ainda se mostra em nossos próprios dias. Os homens sempre estão procurando alcançar a justiça por algum meio diferente daquele que está registrado na Palavra de Deus, e daí ocorre que, entre as realizações que geralmente são consideradas boas obras, os atos de obediência aos preceitos dos homens ocupam o lugar de primazia e os preceitos de Deus são quase esquecidos. A melhor cura para esta enfermidade é lembrar-se constantemente que a lei foi dada por Deus para nos ensinar a verdadeira justiça e que nela não é ensinada retidão alguma senão a obediência à vontade divina, pois segue-se disto que todas as boas obras inventadas pelo homem são vãs.

Antes de discutirmos cada mandamento separadamente, seria bom ressaltar três considerações que são aplicáveis aos dez como um todo:

1.         A primeira é esta: a lei reivindica do homem não apenas o decoro externo como também a justiça interior e espiritual. Embora isto seja reconhecido por todos os homens, realmente é crido por muito poucos, e isto se deve ao fato de que não consideram devidamente o caráter do Legislador. Se um rei terrestre promulgasse um édito proibindo a fornicação, o assassínio e o furto, não afetaria os homens que se abstivessem de cometer externamente tais transgressões. Neste caso, o legislador apenas toma conhecimento de atos exteriores. Mas quando Deus, cujo olho vê todas as coisas, proíbe a fornicação, o assassínio e o furto, sua proibição estende-se aos pensamentos do coração, tais como a concupiscência, o ódio e a cobiça.

2.        Há mais nos mandamentos e proibições de Deus do que aparece na superfície das palavras. Devemos considerar o objetivo pelo qual foi dado cada mandamento. Por exemplo, o quinto mandamento, "Honra a teu pai e a tua mãe", visa ensinar-nos que honra deve ser dada a todas as pessoas que Deus revestiu com honra. Devemos, no entanto, tomar o cuidado de não forçar demais este método de interpretação, a fim de não nos tornarmos culpados de torcer as Escrituras para adaptar-se ao nosso próprio interesse. Aqueles que assim fazem, podem obter o que quiserem de qualquer coisa (quodlibet e quolibet). Devemos fielmente representar a mente pura e genuína do Legislador.

3.        Não é sem boa razão que a lei foi dada em duas tábuas. Este fato é mencionado várias vezes (Êx. 31:18; 32:15, 19; 34:1, 4, 29), e todos os expositores sólidos admitem que o fato é importante e relevante. Deus, dessa forma, dividiu sua lei, o padrão completo da justiça, em duas partes, de modo que uma delas tratasse do relacionamento entre o homem e Deus, e a outra do relacionamento entre o homem e o seu semelhante. O fundamento básico da justiça é a adoração a Deus, e se ele for transtornado, todos os demais ramos da justiça serão danificados e subvertidos. Portanto, a primeira tábua nos ensina a piedade e os deveres peculiares da religião, e a segunda nos diz como Deus  quer  que  procedamos  com o nosso  próximo.  Desse modo, nosso Senhor Jesus Cristo resume a lei inteira em dois títulos: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo" [Mat. 22:37-40;   Luc.  10:27).

Fonte: www.ocalvinista.com


terça-feira, 24 de setembro de 2013

Praticando a Palavra de Deus


"Sejam praticantes da palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos." [Tiago 1.22]

Logo no primeiro capítulo da carta de Tiago somos impactados por três advertências contra o engano (v. 16, 22, 26). O antídoto de Tiago contra o engano é a Palavra de Deus ou “palavra da verdade” (v. 18), isto é, a revelação que Deus nos deu em Cristo e através do testemunho bíblico acerca de Cristo. Se prestarmos atenção à Palavra de Deus evitaremos a tragédia de sermos enganados. Nossa resposta à Palavra deve se dar em duas etapas.
Primeiro, ouvir atentamente o que a Palavra está dizendo. “Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar” (v. 19). Nossa tendência natural em todas as situações é responder precipitadamente. Expressamos de imediato nossa opinião, esquecendo-nos de que “a boca dos tolos derrama insensatez” (Pv 15.2). Quase sempre, a última coisa que fazemos (e que deveria ser a primeira) é fechar a boca e escutar. É melhor escutar do que falar — este certamente é um princípio geral de ampla aplicação. Ouvir com atenção é a chave para um relacionamento harmonioso, e isso ainda é mais verdadeiro quando se trata do nosso relacionamento com Deus, pois ele nos exorta a ouvirmos a sua voz. Às vezes, porém, ouvimos apenas aquilo que queremos ouvir das Escrituras — os ruídos que ecoam dos nossos preconceitos culturais — e não percebemos o trovejar de sua Palavra desafiando-nos a ouvi-la.
Segundo, agir de acordo com a Palavra de Deus. A metáfora do espelho empregada por Tiago é bastante reveladora (v. 22-23), pois o espelho nos transmite duas informações: ele nos diz como somos e, ao mesmo tempo, como devemos ser. O espelho diz: “Você está com uma mancha de lama no lado direito do rosto”, mas além de revelar a sujeira em meu rosto, ele também me diz que é melhor retirá-la. Sempre que nos olhamos no espelho devemos agir de acordo com aquilo que vemos. Semelhantemente, se contemplarmos atentamente o espelho da Palavra de Deus, ela nos dirá não somente como somos, mas também como devemos ser.
A Palavra de Deus deve ser ouvida, aceita e obedecida. Enquanto isso não acontece, não há verdadeiro discipulado.

Retirado de A Bíblia Toda, o Ano Todo [John Stott].  Editora Ultimato
Fonte: www.ultimato.com.br

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Aprendendo a Lei de Deus

 “Ame o SENHOR, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças. Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.” (Deuteronômio 6:5-7)


O ideal do Antigo Testamento é o de uma comunidade comprometida a viver para amar a Deus e os outros. A família deveria ser o foco da instrução. E o foco da família era o pai e a mãe que louvavam a Deus e levavam a sério suas palavras (Dt 6:5-6). Mães e filhas trabalhavam juntas no lar, enquanto os filhos trabalhavam com os pais. Os pais tinham muitas oportunidades para imprimir a Palavra de Deus em seus filhos, explicando as coisas e as escolhas que fizeram como resposta às palavras de Deus.

As palavras eram faladas a respeito de Deus quando “sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te”. Dessa maneira, a experiência diária era o contexto para se ensinar o significado da Escritura, pois a instrução da Lei de Deus acontecia na sala de aula da vida. O exemplo de pais comprometidos, a intimidade do amor da família, e a oportunidade de ver como as implicações da Lei de Deus eram seguidas, constituíram juntos o mais poderoso projeto educacional jamais imaginado. Filo, escrevendo no tempo do Novo Testamento, diz que os filhos “são ensinados a crer em Deus, o Único Pai e Criador do mundo, por assim dizer, desde o berço por seus pais, professores, e por aqueles que os conduziam, mesmo antes da instrução nas sagradas leis e costumes não escritos” (Leg. ad Caium, 31).

Os meninos começavam o ensino formal entre as idades de cinco e sete anos, com um professor pago com uma taxa cobrada de todos aqueles que tinham filhos. As crianças aprendiam a lei e escrever, mas o centro do currículo era memorizar as leis bíblicas mais importantes, aprendendo como viver vidas piedosas, e a conhecer os “feitos dos antepassados”.

Os filhos também participavam dos cultos da comunidade. Juntavam-se a muitas das festas anuais: comendo a ceia da Páscoa, revistando a casa à procura de fermento sete dias antes da Festa dos Pães Asmos, dormindo fora de casa uma semana durante a Festa dos Tabernáculos. Cada semana no Shabbath eles participavam do dia semanal de descanso, e observavam os homens reunidos para discutirem a Torah. E observavam como o mistério do sacrifício era repetido. Viam adultos confessar pecados, e alegravam-se na purificação que permitia-lhes juntarem-se a outros na adoração a Deus. E assim os filhos cresciam. Mesmo nos tempo tenebrosos, muitos vieram a conhecer, amar, confiar e obedecer ao Senhor.


Fonte: RICHARDS, Lawrence O. Guia do Leitor da Bíblia - uma análise de Gênesis a Apocalipse capítulo por capítulo.  Rio de Janeiro: CPAD, 2005.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

3 Atitudes esperadas diante de um Deus onipotente

[A.W.Pink]

Bem que deveriam tremer todos, diante de um Deus tal! Tratar desconsideradamente Aquele que pode esmagar-nos mais facilmente do que nós a uma traça, é suicídio. Desafiar abertamente Aquele que esta revestido de onipotência, que pode rasgar-nos em pedaços ou lançar-nos no inferno na hora que quiser, é o cúmulo da insanidade. Para reduzi-lo ao seu plano mínimo, é simplesmente parte da sabedoria dar ouvidos à Sua ordem: "Beijai o Filho, para que se não ire, e pereçais no caminho, quando em breve se inflamar a sua ira..." (Sl 2:12).

Bem que a alma iluminada deve adorar um Deus tal! As estupendas e infinitas perfeições de um Ser como Deus requerem fervoroso culto. Se homens de poder e renome reclamam a admiração do mundo, quanto mais deve o poder do Onipotente encher-nos de assombro e mover-nos a prestar-Lhe homenagem. "O Senhor, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, terrível em louvores, obrando maravilhas?" (Êx 15:11).

Bem que o santo pode confiar num Deus tal! Ele é digno de implícita confiança. Nada Lhe é demasiado difícil, Se Deus fosse limitado em poder e força, aí sim, poderíamos ficar desesperados. Mas, vendo que Ele Se reveste de onipotência, nenhuma oração é tão difícil que Ele não possa responder, nenhuma necessidade é tão grande que Ele não possa suprir, nenhuma cólera é tão forte que Ele não possa subjugar, nenhuma tentação é tão poderosa que Ele não nos possa livrar dela, nenhuma miséria é tão profunda que Ele não possa aliviar, “... o Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei?" (Sl 27:1). "Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a esse glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém" (Ef 3:20-21).

A. W. Pink
In: Os Atributos de Deus.

Fonte: cincosolas.blogspot.com.br

domingo, 8 de setembro de 2013

O Cântico de Maria - 'Magnificat'



Um dos elementos mais impressionantes dom poema de louvor de Maria é a sua abundância de frases e conceitos do Antigo Testamento. Mesmo a construção de pensamentos ecoa claramente os padrões encontrados nos salmos hebraicos, e a sua tradução contemporânea grega na Septuaginta. A emoção de Maria por seu privilégio de “engrandecer” (glorificar, exaltar) o Senhor é expresso primeiro pelos salmistas. Eles também exclamam: “Engrandecei ao Senhor comigo e juntos exaltemos o seu nome” (Sl 34.3), e “Louvarei o nome de Deus com cântico e engrandece-lo-ei com ações de graças” (Sl 69.30).
À medida que Maria move-se para dirigir adoração, e louvores a Deus por atributos específicos (Lc 1:40,50), os paralelos tornam-se ainda mais admiráveis. Por exemplo, a frase “Porque me fez grandes coisas o Poderoso” capta o pensamento e a linguagem do Sl 71.19, e pode refletir a imagem de Deus como um guerreiro/herói visto em Isaías 42.13, “o Senhor, como poderoso, sairá; e fará grande ruído, e sujeitará os seus inimigos”.
Um comentarista, examinando o louvor de Maria linha por linha, ligou os seus pensamentos e termos a cerca de doze diferentes passagens do Antigo Testamento.
Alguns têm questionado se uma jovem, provavelmente de muito pouca idade naquela época, poderia ter produzido espontaneamente um poema de tanta profundidade e tão cheio de alusões bíblicas. Contudo, há pelo menos duas coisas a serem lembradas. Os judeus no século I permaneciam, em seus corações, como uma comunidade teocrática. Era o seu relacionamento com Deus que lhes dava não só a sua identidade como povo, mas também o fundamento da sua esperança para o futuro. Eles eram verdadeiramente um “povo do Livro”, e frases e imagens bíblicas eram tecidas na fala cotidiana. Memorizadas, cantadas e discutidas na sinagoga todos os sábados.
A segunda coisa a ser lembrada, naturalmente, é que Maria era uma mulher jovem, que possuía uma profunda fé e inspiração espiritual. Ela era verdadeiramente uma pessoa excepcional; esta qualidade pode ser rapidamente percebida ao considerarmos a sua resposta ao anúncio feito pelo anjo Gabriel (Lc 1.38). Nem toda mulher jovem na Galileia do século I poderia ter composto o Cântico de Maria. Mas quando viajou para visitar a sua prima Isabel na região montanhosa de Judá, uma viagem de cerca de três a quatro dias a pé, entendemos que ela ponderou sobre a experiência e compôs estas maravilhosas palavras de louvor.
Que desafio para nós em nossos dias. Se esperamos ser usados por Deus, não precisamos ser grandes aos olhos do mundo. Mas devemos nos encher do conhecimento das Escrituras, até que os pensamentos e conceitos revelados por Deus tornem-se uma parte integral de nossos corações e mentes também.

Fonte: RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2008, 3ª ed.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

LEI E EVANGELHO - Comentário de Mateus 5.17-19


[Por João Calvino]

Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, de modo nenhum passará da lei um só i ou um só til, até que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus”. (Mateus 5.17-19)

Não penseis”. Em relação à perfeição de Sua vida, Cristo poderia, com justiça, ter dito que Ele veio cumprir a Lei. Mas aqui Ele trata de doutrina, não de vida. Quando Cristo proclamou depois, É chegado a vós o reino de Deus” (Mt 12.28), Ele levou as mentes dos homens a um estado de expectativa incomum e até mesmo admitiu discípulos por meio do batismo. É provável que isso tenha feito com que as mentes dos homens se encontrassem em um estado de suspense e dúvida, ansiosos para saber que novidade era aquela. Por este motivo, Cristo declarou que Sua doutrina está muito longe de contrariar a Lei. Pelo contrário, ela concorda perfeitamente com a Lei e os Profetas e não somente isso, mas trás o pleno cumprimento destes.

Parece que havia dois motivos principais que o levaram a anunciar essa concordância entre a Lei e o Evangelho. Assim que qualquer novo método de ensino aparece, o povo imediatamente pensa que tudo está sendo subvertido. A pregação do Evangelho, como eu acabei de mencionar, tendia a criar a expectativa de que a Igreja assumiria uma forma completamente diferente da anterior. Pensaram que o governo antigo e costumeiro seria abolido. Uma opinião assim era, em muitos sentidos, perigosa. Adoradores devotos jamais teriam abraçado o Evangelho caso fosse uma revolta contra a Lei. Ao mesmo tempo, espíritos levianos e turbulentos teriam ansiosamente aproveitado a situação para lançar fora toda religião. Pois nós conhecemos o quanto pessoas apressadas estão sempre prontas para se envolver com escândalos insolentes quando há qualquer coisa nova.

Além disso, Cristo viu que a maior parte dos judeus eram profanos e degenerados, apesar de professarem obedecer a Lei. A condição do povo estava tão decadente, tudo estava tão cheio de tantas corrupções e a negligencia ou malícia dos sacerdotes havia extinguido de tal forma a pura luz da doutrina, que não havia mais reverência a Lei. Mas se uma nova doutrina houvesse sido introduzido, que destruísse a autoridade da Lei e os Profetas, a religião teria sofrido um dano terrível. Isso parece ter sido o primeiro motivo pelo qual Cristo declarou que Ele não veio destruir a Lei. De fato, o contexto deixa isso abundantemente claro. Pois Ele imediatamente diz, como forma de confirmação, que é impossível mesmo que nem um ponto sequer da Lei venha a falhar – e anuncia uma maldição contra os mestres que não trabalham fielmente para manter sua autoridade.
O segundo motivo era pra refutar a calunia maligna que Ele sabia que era levantada contra Ele pelos ignorantes e indoutos. Esta acusação, evidentemente, havia sido feita contra sua doutrina pelos escribas. Pois Ele imediatamente direciona seu discurso contra eles. Precisamos ter em mente qual era o propósito de Cristo. Apesar d’Ele convidar e exortar os judeus, Ele também os chama para a obediência a Lei. Além disso, Ele corajosamente refutou as acusações e calunias desprezíveis que seus inimigos usavam com o objetivo de levantar suspeitas contra Sua pregação.
Se quisermos reformar questões que se encontram em estado de desordem, devemos sempre agir com a mesma prudência e moderação, de forma a convencer o povo que não somos contrários à eterna Palavra de Deus nem queremos introduzir alguma novidade contrária a Escritura. Precisamos cuidar de que nenhuma suspeita de contradição cause dano à fé dos piedosos e que homens apressados não se animem com a ideia de novidade. Em resumo, devemos trabalhar para se opor ao desprezo profano contra a Palavra de Deus e para prevenir que a religião seja odiada pelos ignorantes. A defesa que Cristo fez, para libertar Sua doutrina de calunias, deve nos encorajar, quando somos alvos das mesmas calunias. A mesma acusação foi levantada contra Paulo, que ele era um apostata da Lei de Deus (At 21.21) e não devemos, portanto, ficarmos surpresos se os papistas trabalham, da mesma maneira, para nos fazer odiáveis. Conforme o exemplo de Cristo, devemos esclarecer falsas acusações e, ao mesmo tempo, professar a verdade livremente, ainda que nos exponha a acusações injustas.

Eu não vim abolir a Lei”. Deus, de fato, prometeu um novo pacto na vinda de Cristo; mas, ao mesmo tempo, mostrou que não seria diferente do primeiro, mas que, ao contrário, seu objetivo era o de sancionar perpetuamente o pacto que ele havia feito desde o principio com seu próprio povo.

Porei a minha Lei no seu interior… e nunca mais me lembrarei de seus pecados”. (Jeremias 31.33)
Por estas palavras, Ele está tão longe de se apartar do pacto anterior que, ao contrário, Ele declarou que seria confirmado e ratificado quando fosse sucedido pelo novo. Este também é o sentido das palavras de Cristo, quando Ele diz que Ele veio cumprir a Lei, pois Ele, de fato, cumpriu ao vivificar por Seu Espírito a letra morta e assim demonstrou a realidade daqui que aparecia somente por figuras.
Em relação à doutrina, não devemos imaginar que a vinda de Cristo nos livrou da autoridade da Lei. Pois a Lei é a regra de uma vida devota e santa e, portanto, é tão imutável quanto a justiça de Deus que ela revela, sendo constante e uniforme. Em relação às cerimonias, há alguma aparência de mudança, mas foi somente o uso das cerimonias que foi abolido, pois o significado foi ainda mais confirmado. A vinda de Cristo não retirou nada mesmo das cerimonias, mas, ao contrário, confirmou-as ainda mais ao exibir a verdade das sombras, pois quando vemos seu efeito completo, reconhecemos que não são vãs ou inúteis. Aprendamos, então, a manter esse união sagrada entre a Lei e o Evangelho que muitos tentam quebrar inapropriadamente. Pois contribui em muito para o Evangelho quando aprendemos que não é outra coisa se não o cumprimento da Lei, de forma que ambos, em concordância, declaram que Deus é seu Autor.
Até que o céu e a terra passem”. Lucas expressa isso de forma um pouco diferente, mas dizendo o mesmo, que É mais fácil passar o céu e a terra do que cair um til da lei”. (Lc 16.17). O propósito de Cristo, nas duas passagens, era o de ensinar que a verdade da Lei e de cada parte dela está segura, e que nada tão duradouro pode ser encontrado no mundo inteiro. Alguns se prendem em analises engenhosas da palavra “até”, como se o passar do céu e da terra, que acontecerá no último dia, no dia do juízo, fosse pôr um fim a Lei e os Profetas. Tão certo quanto “havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas cessarão” (I Co 13.8), eu acredito que Lei escrita e sua exposição chegarão ao fim; mas como eu sou da opinião de que Cristo falou de maneira mais simples, escolho não alimentar os ouvidos dos leitores com tais complexidades. É suficiente que entendamos simplesmente que é mais fácil o céu quebrar em pedaços e o mundo inteiro se tornar uma massa de confusão do que a estabilidade da Lei chegar ao fim. Mas o que significa que cada parte da Lei se cumprirá até o menor ponto? Pois, verificamos que até mesmo os que foram regenerados pelo Espírito de Deus estão muito longe de guardar a Lei de Deus perfeitamente. Eu respondo que a expressão “não passará” não se refere a vida dos homens, mas a perfeita verdade e doutrina. “Não há nada na Lei que não seja importante, nada que foi posto lá aleatoriamente; portanto, é impossível que uma letra sequer pereça”.

Qualquer, pois, que violar”. Aqui Cristo fala expressamente do mandamento de vida, ou as dez palavras, que todos os filhos de Deus devem considerar como sendo a regra de suas vidas. Ele declara que são mestres falsos e enganadores aqueles que não ensinam seus discípulos a obediência a Lei e que são indignos de ocupar um lugar na Igreja aqueles que de alguma maneira enfraquecem a autoridade da Lei; e, por outro lado, que são os mais honestos e fiéis ministros de Deus que, tanto em palavra quanto em exemplo, ensinam a guardar a Lei. O menor dos mandamentos é uma expressão usada em acomodação com ao julgamento dos homens. Apesar dos mandamentos não terem o mesmo peso (quando são comparados entre si, alguns tem menos e outros mais), não somos livres para pensar que seja pequeno qualquer coisa que aprouve ao Legislador mandar. Quão grande é o sacrilégio tratar com desprezo qualquer coisa que proceda de Sua boca sagrada! Isso é rebaixar Sua importância ao nível das criaturas. Sendo assim, quando Nosso Senhor os chama de mandamentos menores, é uma forma de acomodação. “Ele será chamado de menor”. Isso é uma alusão ao que Ele acabara de dizer sobre os mandamentos e o significado é óbvio. Aqueles que desprezam a doutrina da Lei, qualquer sílaba que seja, será rejeitado como o menor dos homens.
O Reino de Deus significa a renovação da Igreja, ou a condição próspera da Igreja, como a que começou a aparecer pela pregação do Evangelho. É neste sentido que Cristo nos diz que “o menor no reino de Deus é maior do que João”. (Lc 7.28) O significado desta expressão é que Deus, ao restaurar o mundo pela mão de Seu Filho, estabelece o Reino completamente. Cristo declara que, quando Sua Igreja fosse renovada, nenhum mestre deveria ser aceito nela se não aqueles que são expositores fiéis da Lei e que trabalham para manter sua doutrina inteiramente. Mas alguém poderá perguntar se as cerimonias não estavam entre os mandamentos de Deus que temos a obrigação de agora observar. Deus estabeleceu as cerimonias para que seu uso externo fosse temporário e seu significado eterno. Não transgridem as cerimônias aqueles que omitem as sombras, mas guardam o que significam. Mas se Cristo baniu de seu Reino todos os que acostumam os homens a qualquer desprezo pela Lei, quão monstruosa é a estupidez daqueles que não tem vergonha de remir, por uma indulgência sacrílega, o que Deus exige estritamente e, sob a pretensão de pecado venial, lançam fora a justiça da Lei! Novamente, devemos observar a descrição que ele dá de mestres bons e justos, que exortam os homens a guardar a Lei, não somente por palavras, mas principalmente com um exemplo de vida.


terça-feira, 3 de setembro de 2013

Miserável homem que sou!

[por A.W.Pink]

Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus” (Rm 7.22) - isso é verdade apenas sobre a pessoa nascida de novo. Todavia, aquele que tem prazer na lei de Deus encontra, em seus membros, outra lei. Isso não pode estar limitado aos membros do corpo físico, mas tem de ser entendido como algo que inclui todas as várias partes de sua personalidade carnal, a memória, a imaginação, a vontade, o coração, ...

Essa outra lei, disse o apóstolo, guerreava contra a lei de sua mente (a nova natureza); e não somente isso, ela também o fazia “prisioneiro da lei do pecado” (v. 23). Ele não definiu em que extensão se expressava essa servidão. Mas ele estava em servidão à lei do pecado, assim como todo crente também o está. A vagueação da mente, na hora de ler a Palavra de Deus, os maus pensamentos que brotam do coração (Mc 7.21), quando estamos envolvidos na oração, as más figuras que, às vezes, aparecem quando estamos em estado de sonolência – citando apenas alguns – são exemplos de havermos sido feitos prisioneiros “da lei do pecado”. Se o princípio mau de nossa natureza prevalece, a ponto de despertar em nós apenas um pensamento mau, ele nos tomou como cativos. Visto que ele nos conquistou, estamos vencidos e feitos prisioneiros. (Robert Haldane).

O reconhecimento dessa guerra em seu íntimo e o fato de que se tornou cativo ao pecado levam o crente a exclamar: “Desventurado homem que sou!”. Esse é um clamor produzido por uma profunda compreensão da habitação do pecado. É a confissão de alguém que reconhece não haver bem algum em seu homem natural. É o lamento melancólico de alguém que descobriu algo a respeito da horrível profundeza de iniqüidade que existe em seu próprio coração. É o gemido de uma pessoa iluminada por Deus, uma pessoa que odeia a si mesma, ou seja, o homem natural, e anela por libertação. Esse gemido, “desventurado homem que sou”, expressa a experiência normal do crente, e qualquer crente que não geme dessa maneira está em um estado de anormalidade e falta de saúde espiritual. O homem que não profere diariamente esse clamor se encontra tão ausente da comunhão com Cristo, ou tão ignorante dos ensinos das Escrituras, ou tão enganado a respeito de sua condição atual, que não conhece as corrupções de seu coração e a desprezível imperfeição de sua própria vida.

Aquele que se curva diante do solene e perscrutador ensino da Palavra de Deus, aquele que nela aprende a terrível ruína que o pecado tem realizado na constituição do ser humano, aquele que percebe o padrão elevado que Deus nos tem proposto não falhará em descobrir que é um ser maligno e vil. Se ele se esforça para perceber o quanto tem falhado em alcançar o padrão de Deus, se, na luz do santuário divino, ele descobre quão pouco se parece com o Cristo de Deus, então, reconhecerá que essa linguagem de Romanos 7 é muito apropriada para descrever sua tristeza espiritual. Se Deus lhe revela a frieza de seu amor, o orgulho de seu coração, as vagueações de sua mente, o mal que contamina suas atitudes piedosas, o crente haverá de clamar: “Desventurado homem que sou!”. Se o crente estiver consciente de sua ingratidão e de quão pouco ele tem apreciado as misericórdias diárias de Deus, se o crente percebe a ausência daquele fervor profundo e genuíno que tem de caracterizar seus louvores e sua adoração Àquele que é glorificado em santidade (Êx 15.11), se o crente reconhece o espírito pecaminoso de rebeldia que, com freqüência, o faz murmurar ou irrita-o contra as realizações dEle em sua vida cotidiana, se o crente admite que está ciente não apenas de seus pecados de comissão, mas também daqueles de omissão, dos quais ele é culpado todos os dias, ele realmente clamará: “Desventurado homem que sou!”. Esse clamor não será proferido apenas por aquele crente que se acha afastado do Senhor.

Aquele que está em comunhão verdadeira com o Senhor Jesus também emitirá esse gemido, todos os dias e todas as horas. Sim, quanto mais o crente se achega a Cristo, tanto mais ele descobrirá as corrupções de sua velha natureza, e tanto mais ardentemente desejará ser liberto de tal natureza. É somente quando a luz do sol inunda um cômodo que a poeira e a sujeira são completamente revelados. Quando estamos realmente na presença dAquele que é luz, ficamos conscientes da impureza e impiedade que habita em nós e contamina cada parte de nosso ser. E essa descoberta nos levará a clamar: “Desventurado homem que sou!

Fonte: www.bereianos.blogspot.com


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Manuseando sabiamente os sábios dizeres da Bíblia


[por R.C.Sproul]


Toda cultura parece ter a sua própria e única coletânea de sabedoria – breves insights de seus sábios. Muitas vezes, essas porções de sabedoria são preservadas na forma de provérbios. Nós temos provérbios na cultura americana. Refiro-me a ditados como “um homem prevenido vale por dois” ou “dinheiro poupado é dinheiro ganho”.
A Bíblia, obviamente, tem um livro inteiro desses pequenos dizeres – o livro de Provérbios. No entanto, essa compilação de sábios dizeres é diferente de todas as outras coletâneas, visto que tais palavras refletem não apenas a sabedoria humana, mas a sabedoria divina, pois esses provérbios são inspirados por Deus.
Ainda assim, é preciso ter muito cuidado na forma como abordamos e implementamos esses sábios dizeres. Simplesmente o fato de serem inspirados não significa que os provérbios bíblicos são como leis, que impõem uma obrigação universal. Mas algumas pessoas os tratam como se fossem mandamentos divinos. Se nós os considerarmos dessa forma, incorreremos em todos os tipos de problemas. Os Provérbios, mesmo sendo divinamente inspirados, não se aplicam necessariamente a todas as situações da vida. Antes, refletem percepções que são, em geral, verdadeiras.
Para ilustrar esse ponto, deixe-me lembrá-lo de dois provérbios da nossa própria cultura. Primeiro, dizemos frequentemente: “Pense bem antes de agir!”. Essa é uma percepção valiosa. Mas nós temos outro provérbio que parece contradizê-lo: “Quem não arrisca, não petisca”. Se tentarmos aplicar esses dois provérbios ao mesmo tempo e da mesma forma, em todas as situações, ficaríamos completamente confusos. Em muitas situações, a sabedoria sugere que examinemos cuidadosamente onde devemos pisar, de forma que não nos movamos cegamente. Ao mesmo tempo, não podemos ficar tão paralisados, analisando os prós e contras do nosso próximo passo, que hesitemos demasiadamente antes de tomar uma decisão, ao ponto de perdermos as oportunidades quando elas se apresentarem a nós.
Naturalmente, não nos incomoda encontrar provérbios aparentemente contraditórios em nossa própria sabedoria cultural. Mas quando os descobrimos na Bíblia, nos encontramos lutando com perguntas sobre a confiabilidade das Escrituras. Deixe-me citar um exemplo bem conhecido. O livro de Provérbios diz: “Não responda ao insensato com igual insensatez” (26:4a). No versículo seguinte, lemos: “Responda ao insensato como a sua insensatez merece” (26:5a). Como podemos seguir essas instruções opostas? Como ambas podem ser declarações de sabedoria?
Novamente, conforme o exemplo dado acima, a resposta depende da situação. Há certas circunstâncias nas quais não é sábio responder ao tolo segundo a sua tolice, mas há outras circunstâncias nas quais é sábio responder ao tolo segundo a sua tolice. Provérbios 26:4 diz: “Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele” (grifo nosso). Se alguém está falando tolices, geralmente não é sábio tentar falar com ele. Tal discussão não levará a lugar nenhum, e aquele que tenta continuar a discussão com o insensato está em perigo de cair na mesma tolice. Em outras palavras, há circunstâncias em que é melhor ficarmos calados.
Em outras ocasiões, todavia, pode ser útil responder ao tolo segundo a sua tolice. Provérbios 26:5 diz: “Responda ao insensato como a sua insensatez merece, do contrário ele pensará que é mesmo um sábio” (grifo nosso). Apesar de ser mais conhecida como uma forma de arte utilizada pelos antigos filósofos gregos, os hebreus já entendiam e usavam, por vezes no ensino bíblico, uma das formas mais eficazes de argumentação. Refiro-me a reductio ad absurdum, que reduz o argumento da outra pessoa ao absurdo. Por meio dessa técnica é possível mostrar a uma pessoa a conclusão necessária e lógica que flui de seu argumento e, então, demonstrar que as suas premissas levam, em última análise, a uma conclusão absurda. Portanto, quando uma pessoa possui uma premissa tola e dá um argumento tolo, isso, às vezes, pode ser usado de forma muito eficaz para responder ao tolo segundo a sua tolice. Você entra em seu território e diz: “Certo, eu vou assumir o seu argumento, levá-lo à conclusão lógica e te mostrarei a tolice que há nele”.
Assim, o livro de Provérbios tem o objetivo de nos dar orientações práticas para experiências diárias. É um tesouro negligenciado do Antigo Testamento, com riquezas incalculáveis em suas páginas, que está à nossa disposição, com o intuito de guiar as nossas vidas. Ele detém conselho real e concreto, que vem da mente do próprio Deus. Se quisermos sabedoria, esta é a fonte da qual devemos beber. Aquele que é tolo negligenciará esta fonte. Aquele que está com fome da sabedoria de Deus beberá sempre dela. Precisamos ouvir a sabedoria de Deus para darmos fim às muitas distrações e confusões da vida moderna. Porém, como deve acontecer em toda a Palavra de Deus, precisamos ser zelosos para aprender a lidar com o livro de Provérbios corretamente.

Fonte: www.ministeriofiel.com.br