segunda-feira, 24 de março de 2014

O livro que transforma

Pesquisas mostram que leitura bíblica frequente tende a mudar até mesmo opiniões mais conservadoras.


Todo cristão sabe: ler a Bíblia e meditar nas Escrituras Sagradas é prática recomendável é necessária para uma vida espiritual saudável. Estudos e mais estudos são feitos para descobrir a quantidade de tempo que as pessoas dedicam à leitura bíblica, a credibilidade que dão aos relatos da Palavra de Deus e no quê esta disciplina espiritual influencia sua fé. O que nem sempre se leva em conta são os efeitos disso sobre outras áreas da vida humana, como posição política, comportamento social e opinião diante de temas considerados polêmicos. Pois levantamentos recente descobriram que o contato frequente com as Escrituras pode mudar até mesmo opiniões culturalmente arraigadas. Por mais paradoxal que seja, uma leitura constante e metódica da Bíblia pode até mesmo tornar a pessoa mais liberal.
Sabe-se que 89% dos lares nos Estados Unidos possuem ao menos um exemplar das Sagradas Escrituras cristãs (ainda não há pesquisa similar no Brasil). Mas ter o Livro Sagrado em casa não significa o mesmo que lê-lo com frequência – e os resultados de pesquisas a respeito dos hábitos de leitura bíblica podem ser surpreendentes. Diversos estudos realizados com o fim de examinar a influência da Bíblia têm mostrado a questão apenas do ponto de vista de sua inspiração e dos métodos interpretação. O Instituto Gallup, por exemplo, há quatro décadas, pergunta aos americanos em que medida o conteúdo bíblico deve ser interpretado de forma literal. Comparativamente, muito pouco tem sido pesquisado sobre o que acontece quando alguém lê a Bíblia, de fato – especialmente, quando isso é feito de forma independente e fora do ambiente de culto.
É de se supor que essas questões sejam redundantes, ou seja, que pesquisas do gênero sejam apenas meras formas de medir a religiosidade das pessoas, de dimensionar a frequência com que vão à igreja, se interpretam a Bíblia literalmente ou não, e ainda quanto tempo costumam gastar em oração. Quando esses indicadores são analisados, normalmente, encontra-se uma correlação direta com o conservadorismo moral e político. Isso é uma tendência, mas está longe de ser a regra. Acontece que ler a Bíblia a sós faz diferença também. E o mais interessante é que essa diferença pode ser o oposto do esperado.
A leitura frequente das Escrituras tem alguns efeitos previsíveis, como por exemplo, aumentar a oposição do crente ao pecado em geral e a algumas questões em particular, como a condenação ao aborto ou à prática homossexual. Leitores costumeiros do livro também acreditam que a ciência ajude, de alguma forma, a revelar a glória de Deus, mas não têm muitas esperanças de que os cientistas, algum dia, serão capazes de resolver os problemas da humanidade. Mas, em contrapartida, o contato frequente com a Bíblia faz com que o leitor se torne mais propenso a concordar com os liberais em alguns assuntos. Isso acontece mesmo quando se leva em conta as convicções políticas, o nível educacional, a renda, o gênero, a raça e outros critérios, como a filiação religiosa e o ponto de vista pessoal sobre o literalismo bíblico.

TERRORISMO, JUSTIÇA E CIÊNCIA
Em 2007, a Baylor Religion Survey (“Pesquisa Baylor sobre religião”) perguntou aos norte-americanos com que frequência eles liam a Bíblia sozinhos. Os respondentes tinham que escolher entre cinco respostas padrão, que iam de “nunca” a “várias vezes por semana”. A pesquisa também investigou o posicionamento político dos entrevistados e descobriu coisas interessantes. Na ocasião, as pessoas foram questionados, por exemplo, se o governo de seu país deveria ter poderes ampliados para lutar contra o terrorismo – uma referência ao Ato Patriótico (lei criada após os atentados de 11 de setembro de 2001, a qual dá ao Estado o direito de espionar e interrogar possíveis suspeitos de terrorismo). Segundo a pesquisa, quanto maior a frequência da leitura bíblica, menor o apoio dos entrevistados ao Ato Patriótico.
A leitura frequente da Bíblia também influencia a visão sobre a Justiça. Como era de se esperar, os respondentes mais liberais tenderam a discordar da frase: “Os criminosos deveriam ser punidos com mais severidade”. No entanto, os leitores mais frequentes da Bíblia também o fizeram. O contato com a mensagem bíblica, igualmente, afeta o apoio dos leitores à pena de morte. De acordo com a pesquisa, quanto maior a frequência de leitura das Escrituras, maior o apoio dos respondentes ao fim da pena capital. Ler a Bíblia também mexe com as atitudes do leitor em relação à ciência. Quando as pessoas são questionadas sobre o literalismo bíblico, não são encontradas diferenças estatísticas significativas quanto ao fato de ciência e religião serem compatíveis entre si – no entanto, quanto mais uma pessoa lê a Palavra de Deus, mais ela tende a acreditar que as duas esferas, consideradas tão antagônicas ao longo dos séculos, são, sim, compatíveis.
Outro achado interessante dos estudos refere-se a atitudes morais. A pesquisa perguntou se, para se tornar uma pessoa melhor, quão importante é buscar, ativamente, a justiça econômica e social. Novamente, como seria de se esperar, aqueles com tendências políticas liberais se mostraram mais propensos a dizer que isso é importante de alguma forma. Mas aqueles que leem a Bíblia com mais frequência também concordaram. De fato, eles foram quase 35% mais propensos a responder “sim” a tal pergunta.
Da mesma forma, ao contrário do estereótipo da mídia liberal, aqueles que são mais comprometidos com a fé – por lerem as Escrituras mais direta e frequentemente, por exemplo – são os que dão maior apoio à justiça social e econômica. Na verdade, leitores literalistas e politicamente conservadores são quase tão propensos a abraçar as causas sociais quanto aqueles que se classificam como politicamente liberais e críticos do literalismo. Na mesma linha, a pesquisa também perguntou se alguém deve reduzir o consumo como forma de se tornar uma pessoa melhor. Tanto os politicamente liberais quanto os leitores mais frequentes da Bíblia se mostraram mais propensos a dizer que sim.
Tome-se, por exemplo, um evangélico que seja politicamente conservador, tenha cursado o ensino superior, possua uma renda razoável, creia literalmente na mensagem da Bíblia, mas que não leia o livro sagrado com tanta frequência. Essa pessoa terá apenas 22% de chance de dizer que reduzir o consumo é um comportamento ético. Contudo, a mesma pergunta dirigida a alguém com as mesmas características, mas que leia a Bíblia frequentemente, terá chance 44% maior de ser respondida da mesma maneira.

SIGNIFICADO PESSOAL
A discussão se torna ainda mais interessante quando se considera quem é mais propenso a ler a Bíblia com frequência. Os evangélicos e os que a interpretam literalmente são os mais conservadores nos tópicos citados. Em outras palavras, aqueles que leem as Escrituras com mais frequência são mais conservadores; entretanto, quanto mais leem, mais tendem a mudar seus pontos de vista a respeito, pelo menos, desses assuntos. Por que isso acontece? Uma explicação possível é a seguinte: os leitores tendem a ter expectativas em relação a um texto antes de iniciar sua leitura. Dada a proeminência do texto bíblico entre os cristãos, é de se supor que muitos pensem que já sabem tudo o que ali está escrito, mesmo antes de começar a ler Gênesis 1. No entanto, uma vez que, de fato, iniciem a leitura, serão surpreendidos por um novo conteúdo que passará a estar integrado àquele que lhes era familiar. A verdade é que as crenças mudam com as novas informações acrescentadas.
Mas não será necessariamente o conteúdo novo a surpreender o leitor. Basta apenas que esse conteúdo seja pessoalmente relevante para ele. Leitores frequentes da Bíblia podem ter visões divergentes quanto à sua autoridade, mas tendem a lê-la de maneira devocional, na expectativa de que esta lhes fale algo diretamente. E eles a lerão até se depararem com algo que realmente lhes chame a atenção. Mesmo que o leitor não creia plenamente nas Sagradas Escrituras como a infalível Palavra de Deus e que o texto bíblico careça de um bocado de interpretação, esse momento pode ter um tremendo significado pessoal.
Mas a leitura bíblica não é encarada, necessariamente, como algo subjetivo. Seus leitores também percebem as Escrituras como sendo a Palavra de Deus, ainda que escrita por autores que tinham contextos e intenções específicas, e desejam se tornar cada vez mais semelhantes ao que ali está escrito. Afinal, para que serviria ler a Bíblia quando não se tem qualquer desejo de abraçar o que ela ensina? Em outras palavras, ler o texto bíblico pode, por vezes, mudar as visões e atitudes dos leitores, os quais acabam sendo supreendidos pelo que ali está escrito.


Aaron B. Franzen é graduando do Departamento de Sociologia da Universidade Baylor, nos EUA


Fonte: cristianismo hoje, 13/01/2012



quarta-feira, 19 de março de 2014

O Verdadeiro Amor Cristão

[por Arthur W. Pink]

O amor é a Rainha das graças cristãs. É uma santa disposição nos dada quando nascemos de novo de Deus. É o amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo. O verdadeiro amor espiritual é caracterizado pela mansidão e ternura, todavia, é vastamente superior às cortesias e bondades da carne.


Devemos ser cuidados para não confundir sentimentalismo humano, alegria carnal, amabilidade e afabilidade humana com o verdadeiro amor espiritual. O amor que Deus ordena, primeiramente para com Ele e então para com os outros, não é o amor humano. Não é um amor indulgente e egoísta, o qual já está em nós por natureza. Se indulgentemente permitirmos que nossas crianças cresçam com pouca ou nenhuma disciplina, Provérbios claramente diz que não as amaremos, a despeito da sentimentalidade humana e da afeição que podemos sentir por elas. O amor não é um paparicar sentimental de um para com o outro, com uma indiferença para com o nosso andar e obediência diante do Senhor. Encobrir as faltas dos outros para nos agradar na estima deles, não é amor espiritual.


A verdadeira natureza do amor cristão é um princípio justo que busca o mais alto bem dos outros. É um desejo poderoso de promover o bem-estar deles. O exercício do amor deve estar em estrita conformidade com a vontade revelada de Deus. Nós devemos amar na verdade. O amor entre os irmãos é bem maior do que uma sociedade agradável onde as visões são as mesmas. É amá-los porque nós vemos a Cristo neles, amando-os por causa de Cristo.


O próprio Senhor Jesus é o nosso exemplo. Ele não foi somente atencioso, gentil, auto-sacrificante e paciente, mas Ele também corrigiu Sua mãe, usou um chicote no Templo, censurou severamente as dúvidas dos discípulos e denunciou os hipócritas. O verdadeiro amor espiritual é, acima de tudo, fiel a Deus e inflexível para com tudo o que é mal. Nós não podemos declarar, 'Paz e Segurança', quando na realidade, há decadência e ruína espiritual.


O verdadeiro amor espiritual é muito difícil de exercitar, pois não é nosso amor natural. Por natureza, nós amamos sentimentalmente e produzimos bons sentimentos. Além disso, muitas vezes o verdadeiro amor espiritual não é recebido em amor, mas é odiado como os fariseus o odiaram. Devemos orar para que Deus nos encha com Seu amor e nos capacite a exercitá-lo, sem dissimulação, para com todos.


terça-feira, 18 de março de 2014

Jesus Através da Bíblia


[Por Philip Graham Ryken]


Acreditamos que o tema central da Bíblia é Cristo. A salvação que era esperado no Antigo Testamento é exibido nos Evangelhos e, em seguida, é explicado no resto do Novo Testamento.

De Gênesis aprendemos que Jesus é a semente da mulher que esmagará a cabeça de Satanás, e o filho de Abraão, que vai abençoar todas as nações da terra. Do Êxodo aprendemos que Jesus é o Cordeiro pascal, cujo sangue nos salva do anjo da morte, e no tabernáculo no deserto onde Deus habita em glória. De Levítico aprendemos que Ele é o sacrifício expiatório que tira o nosso pecado. De Números aprendemos que Ele é a serpente de bronze levantada por todo aquele que olhar para Ele com fé. De Deuteronômio aprendemos que Ele é o profeta maior do que Moisés, que vem para nos ensinar a vontade de Deus. Tudo isso do Pentateuco.

O que podemos aprender com os livros históricos? De Josué aprendemos que Jesus é o nosso grande capitão na luta. De juízes aprendemos que Ele é o rei que nos ajuda a fazer o que é correto aos olhos de Deus. De Ruth aprendemos que Jesus é o nosso redentor. De 1 e 2 Samuel , aprendemos que Ele é o nosso rei ungido. De 1 e 2 Reis, aprendemos que Ele é a glória no templo. De 1 e 2 Crônicas, aprendemos que Ele é o Filho de David - o legítimo rei de Judá. De Esdras e Neemias aprendemos que Ele vai restaurar a cidade de Deus. De Ester aprendemos que Ele vai nos libertar de todos os nossos inimigos.

Então chegamos aos escritos poéticos. A partir de Jó ficamos sabendo que Jesus é o nosso Redentor vivo, que se levantará na Terra no último dia. Do Salmos aprendemos que Ele é o doce cantor de Israel - o Salvador abandonado por Deus e deixado para morrer, mas restaurado por Deus para governar as nações. De Provérbios aprendemos que Jesus é a nossa sabedoria. De Eclesiastes aprendemos que só Ele pode nos dar significado e propósito. De Cântico dos Cânticos , aprendemos que Ele é o amante de nossas almas.

Isso nos leva aos profetas, cuja missão especial era profetizar sobre a vinda de Cristo. Isaías diz que Ele é o filho nascido da Virgem, o filho dado para governar, o rebento do tronco de Jessé, e ao servo ferido e aflito, sobre os quais Deus colocou toda a nossa iniquidade. Jeremias e Lamentações nos dizem que Jesus é o nosso consolador na tristeza, o mediador de uma nova aliança que transforma o nosso pranto em cânticos de alegria. Ezequiel nos diz que o Espírito de Jesus pode respirar vida a ossos secos e fazer um coração de pedra bater novamente. Daniel nos diz que Jesus é o Filho do Homem vindo nas nuvens de glória para fazer justiça na terra.

Estes são os profetas maiores, mas os Profetas Menores também dão testemunho de Jesus Cristo. Oséias profetizou que Ele seria um marido fiel ao seu povo rebelde. Joel profetizou que antes de vir para julgar as nações, Jesus derrama o Seu Espírito sobre os homens e mulheres, judeus e gentios, jovens e velhos. Amos e Obadias profetizaram que Ele iria restaurar o reino de Deus. Jonas profetizou que para o bem das nações, Ele seria levantado no terceiro dia. Miquéias profetizou que Jesus nasceria em Belém. Naum profetizou que Ele iria julgar o mundo. Habacuque profetizou que ele iria justificar aqueles que vivem pela fé. Sofonias profetizou que Ele se alegra com os cânticos de seu povo. Ageu profetizou que ele iria reconstruir o templo de Deus. Zacarias profetizou que Ele viria em real doçura, montado sobre um jumento, e que quando Ele viesse, o povo de Deus seria santo. Malaquias profetizou que antes de vir, um profeta iria transformar os corações dos pais de volta para os seus filhos.

De Gênesis a Malaquias, o Velho Testamento é todo sobre Jesus. Mas é claro que é no Novo Testamento que Jesus realmente vem para salvar seu povo. Considerando que o Antigo Testamento nos dá as bases, o Novo Testamento apresenta a sua biografia.

Os evangelhos nos dão a boa notícia da salvação através da Sua crucificação e ressurreição. No Evangelho de Mateus Jesus é o Messias que Deus prometeu a Israel. No Evangelho de Marcos Ele é o servo sofredor. No Evangelho de Lucas Ele é o Salvador de todos, incluindo os pobres e os fracos. No Evangelho de João Ele é o Verbo encarnado, o Filho de Deus, a luz do mundo, o pão da vida, e o único caminho de salvação. Mas todos os evangelhos terminam com a mesma boa notícia: Jesus morreu na cruz pelos pecadores e ressuscitou para dar a vida eterna, e quem nele crê será salvo.

Em seguida, o Novo Testamento volta sua atenção para a igreja, que ainda está sobre Jesus, porque a igreja é o Seu corpo. O livro de Atos mostra como Jesus está trabalhando na igreja de hoje, por meio do evangelho, pelo poder do Espírito Santo.

Em seguida, vêm todas as cartas que foram escritas para a igreja - cartas que contam sobre Jesus e como viver para Ele. Em Romanos Jesus é a justiça de Deus para os judeus e gentios. Em 1 e 2 Coríntios Ele é o único que une a Igreja e nos dá os dons espirituais para o ministério. Em Gálatas Jesus nos liberta do legalismo; em Efésios Ele é a cabeça da igreja; em Filipenses Ele é a alegria da nossa salvação; em Colossenses Ele é o primogênito de toda a criação. Em 1 e 2 Tessalonicenses Jesus está chegando para nos livrar do presente século mal, em 1 e 2 Timóteo e Tito Ele pastoreia o seu povo, e em Filemon, Ele concilia irmãos que são separados pelo pecado. Este é o evangelho de acordo com Paulo.

Em Hebreus Jesus é o grande sumo sacerdote que morreu para o pecado uma vez por todas na cruz e que simpatiza com a gente em toda a nossa fraqueza. Na epístola de Tiago, Jesus nos ajuda a provar a nossa fé, fazendo boas obras. Nas epístolas de Pedro, Ele é o nosso exemplo no sofrimento. Nas cartas de João Ele é o Senhor do amor. Em Judas, Ele é o nosso Mestre e Professor. Por último, mas não menos importante, vem o livro de Apocalipse, no qual Jesus Cristo é revelado como o Cordeiro de Deus imolado para os pecadores, o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o começo e o fim, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o grande juiz sobre toda a terra, e o glorioso Deus do céu.

A Bíblia diz que em Jesus "tudo subsiste" (Colossenses 1:17) e isso é tão verdadeiro para com a Bíblia como é para qualquer outra coisa. Jesus une toda a Bíblia. Do Gênesis ao Apocalipse, a Palavra de Deus é toda sobre Jesus e, portanto, tem o poder de trazer a salvação através da fé nEle. É através da leitura da Bíblia que podemos vir a conhecer Jesus, e é por vir a conhecer Jesus que somos salvos. É por isso que estamos tão comprometidos com a Palavra de Deus, porque é a base para tudo o que fazemos, tanto como igreja e como cristãos individuais.



sexta-feira, 14 de março de 2014

O mediador de Deus



[John Stott]

Instintivamente, sabemos que não podemos enquadrar Deus em nenhuma estrutura conceitual concebida por nós mesmos. Se achamos que fomos bem-sucedidos nessa tarefa, o que temos em nosso enquadramento não é Deus. Nossa mente não pode concebê-lo e, muito menos contê-lo. “Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”, declara o Senhor. “Assim como os céus são mais altos do que os seus caminhos, os meus pensamentos mais altos do que os seus pensamentos” (Is 55:8,9).

Até mesmo os rápidos lampejos dele, quando ele passa por nós nos momentos de êxtase ou de dor, de beleza ou de maravilhamento, de bondade ou de amor, deixam-nos totalmente atordoados pela completude dessa realidade que está além de nós. Ainda assim, esses lampejos são em si mesmos uma forma de “mediação”. Pois eles são declarações de Deus por intermédio das glórias do céu e da terra, dos intrincados mecanismos da natureza, das complexidades da situação humana em sua mescla de nobreza e degradação, e de toda abrangência de nossas respostas a isso. Essas “mediações”, no entanto, nos deixam insatisfeitos. Elas apontam para alturas que não podemos alcançar, profundidades que não podemos sondar. Precisamos de uma mediação que seja, de imediato, mais palpável, mais pessoal e mais genuinamente humana. Em uma palavra: precisamos de Jesus Cristo. Pois, por mais rica que seja a realidade que já tenhamos visto, sentido, concebido ou suspeitado, separada de Jesus Cristo, Deus permanece infinitamente distante. Apenas uma vez essa vida veio pessoalmente estar em nosso meio, quando a Palavra de Deus realmente tornou-se um ser humano e viveu entre nós. Só naquele momento os olhos humanos puderam contemplar a “glória” verdadeira em forma humana, o esplendor da realidade pessoal suprema, “... glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14).

terça-feira, 11 de março de 2014

Graça que opera em nós


[Santo Agostinho]

Considerando também a vontade, que nos leva a crer e se atribui ao dom de Deus, porque nasce da liberdade e a recebemos na criação, reflita e perceba o contraditor que não somente se deve atribuir esta vontade à graça divina, porque procede da liberdade inserida em nós pela natureza desde a criação, mas também porque Deus age mediante meios suasórios visíveis para nos levar a querer e a crer. Esta atuação divina pode se dar ou exteriormente por meio de exortações evangélicas, com alguma influência dos preceitos da lei, se levam o homem à consciência de sua fragilidade e a se refugiar pela fé na graça que justifica, ou interiormente, onde ninguém pode provocar nenhum pensamento, mas é iniciativa da vontade consentir ou dissentir. Portanto, quando Deus concorre com a alma racional mediante estes meios – e ninguém pode crer em algo apenas com o uso da liberdade sem a influência de uma persuasão ou chamado em relação em quem deve crer -, não há dúvida de que ele opera no homem o próprio querer e sua misericórdia nos precede em tudo. Mas o consentimento ou o dissentimento ao chamado de Deus, conforme já afirmei, é obra da vontade própria. Esse ensinamento não somente desvaloriza o que está escrito: Que é que possuis que não tenhas recebido?, mas o confirma. Pois a alma não tem capacidade de receber e conservar os dons, aos quais se refere a sentença, a não ser consentindo. Por isso, o que tem e o que recebe vem de Deus, mas o receber e o conservar dependem de quem recebe e possui.”

Santo Agostinho, in FERREIRA, Franklin. Agostinho de A a Z. São Paulo: Editora Vida, 2006. Série Pensadores Cristãos.