sexta-feira, 25 de julho de 2014

Porção dobrada do Espírito

[Por Gutierres Fernandes Siqueira]

Você certamente já ouviu algum pregador pentecostal orando para que a plateia ou uma pessoa específica recebesse a “porção dobrada do Espírito Santo”. A base é 2 Reis 2, mas a interpretação é equivocada. Nesse texto, temos a história do profeta Elias designando a continuidade de seu ministério para Eliseu antes de ser transladado. Nos versículos 9 a 11 lemos:

Sucedeu, pois, que, havendo eles passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me o que queres que te faça, antes que seja tomado de ti. E disse Eliseu: Peço-te que haja porção dobrada de teu espírito sobre mim. E disse: Coisa dura pediste; se me vires quando for tomado de ti, assim se te fará; porém, se não, não se fará. E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num redemoinho”.

Bom, vejamos o que a expressão “porção dobrada” significa.


1. Quando Eliseu pede a “porção dobrada”, na verdade, ele está requerendo o direito de progenitura sobre os demais profetas da escola de Elias.

Elias foi líder de uma “escola de profetas”, e Eliseu era um dos seus alunos. O ambiente da escola lembrava uma fraternidade onde os membros eram chamados de “filhos dos profetas” (v. 3,5). Ora, com a trasladação de Elias quem seria o seu substituto? Ou seja, quem havia de ser o novo líder? Então, Eliseu baseado na lei mosaica (cf. Dt 21.17) pede a Elias a “porção dobrada”, ou seja, os direitos de um filho primogênito. O primeiro filho recebia o dobro das riquezas do pai em relação aos seus irmãos, e isso implicava mais responsabilidade para a manutenção da família. Donald J. Wiseman lembra que esse filho primogênito “tinha a responsabilidade de perpetuar o nome e o trabalho do pai” [1].

Nesse sentido, a tradução da Nova Versão Internacional (NVI) traz mais luz para a interpretação: “Depois de atravessar, Elias disse a Eliseu: ‘O que posso fazer por você antes que eu seja levado para longe de você?’ Respondeu Eliseu: ‘Faze de mim o principal herdeiro de teu espírito profético’".


2. A “porção dobrada”, portanto, em um primeiro momento, não significava “mais poder” para milagres. Significa, isso sim, mais responsabilidade como o novo líder a representar o legado do antigo líder. Assim, por que os pregadores atuais falam em “porção dobrada” como “poder em dobro” para milagres, mas esquecem da responsabilidade de um legado na substituição de uma liderança?

Repito: a expressão não significa, a princípio, um poder dobrado para milagres ou um ministério ainda mais poderoso em sinais e maravilhas do que o de Elias. É tão verdade que Eliseu continua o trabalho de Elias, mas não se tornou um profeta mais importante do que o seu “pai espiritual”. Ele é usado por Deus em continuidade, mas não se sobrepõe ao seu pai na fé. Quem é o profeta mais lembrado depois de Moisés na história e literatura hebraica? Elias é a resposta. Eliseu certamente pensava que a continuidade do ministério de Elias implicaria grandes sinais, mas a expressão em si não indica essa questão, mas sim o direito de substituí-lo como líder.


3. Elias não concede o pedido a Eliseu porque tal atribuição era divina, e não humana. Como os pregadores atuais podem oferecer o que não é prerrogativa deles?

Eliseu recebe a “porção dobrada” da parte de Deus, mas não de Elias. O profeta Elias mostra a Eliseu que a resposta ao pedido não dependia dele, mas sim do Senhor. “Coisa dura pediste”, diz Elias, indicando que Eliseu seria o seu substituto mediante a observação de seu arrebatamento. O teólogo pentecostal Wilf Hildebrandt escreve sobre essa passagem:

A dificuldade de honrar o pedido é demonstrada por Elias, que faz com que o direito de sucessão dependa do avistar de sua partida por parte de Eliseu. Elias indica que não é uma prerrogativa sua o responder ao pedido e sim uma prerrogativa de Deus. Assim, o pedido por “uma porção dupla” não é concedido por ele, mas depende da permissão de Iahweh para que Eliseu testemunhe sua partida e ‘abra os seus olhos’ para a seleção de Deus. Somente Deus poderia escolher um sucessor para Elias e transferir se o Espírito para o profeta escolhido. [2]”

É interessante observar que um pregador que acredita atribuir o Espírito Santo em dobro para outras pessoas não traz essa ideia da cosmovisão bíblica, mas sim de uma cosmovisão animista, portanto, pagã. É necessário rejeitar qualquer tentativa de interpretar o texto bíblico segundo padrões mágicos que arranham a correta interpretação do mesmo. Ninguém pode “jogar” o Espírito Santo em dobro no outro. O Espírito Santo enche o verdadeiro crente segundo a graça divina para o serviço do Senhor. “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil” [1 Co 12.7].

Referências Bibliográficas:

[1] WISEMAN, Donald J. 1 e 2 Reis. Introdução e Comentário. 1 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 2006. p 172.

[2] HILDEBRANDT, Wilf. Teologia do Espírito de Deus no Antigo Testamento. 1 ed. São Paulo: Editora Academia Cristã e Edições Loyola, 2008. p 195.



segunda-feira, 14 de julho de 2014

Você é um arminiano e não sabe?

Este texto traz algumas considerações sobre as duas principais linhas teológicas de nosso tempo – o Arminianismo e o Calvinismo. Será útil para aquele que tem dúvidas sobre o assunto, bem como para aquele que está iniciando seus estudos em Teologia.  


[por James M. Leonard]


Ao longo dos séculos, os calvinistas têm tido tanto sucesso vilipendiando o Arminianismo que muitas pessoas que são arminianas têm medo de dizer isso. Isto é verdadeiro, mesmo que o Arminianismo seja a posição teológica da maior parte do protestantismo cristão, na verdade, muitas pessoas são arminianas e não sabem, e até mesmo negam. A presença do Arminianismo é tão generalizada que mesmo as mais fortes igrejas calvinistas têm entre seus membros os arminianos. É irônico, então, que as pessoas tenham medo de dizer ou desconheçam que elas são arminianas. Por exemplo, muitos independentes e batistas do sul são tipicamente arminianos, mas por desconhecimento muitas vezes se dizem calvinistas!

O objetivo desta pesquisa é ajudar as pessoas que têm uma teologia arminiana perceberem que elas são arminianas e ajudá-las a compreender que é bom ser arminiano. As perguntas abordam as questões mais pertinentes que definem Arminianismo e o distinguem do Calvinismo.


1. Você acredita que Jesus morreu por cada ser humano?

Se você respondeu sim à pergunta, então, pelo menos, você concorda com um dos princípios centrais do Arminianismo, e você seria indesejável em círculos calvinistas.
Este é talvez o problema mais gritante, que divide o Calvinismo e o Arminianismo.
A maioria dos calvinistas crê que Jesus morreu apenas por algumas pessoas, embora exista algum debate sobre se o próprio Calvino tinha essa opinião.
Se você acredita que Jesus morreu somente por aqueles que creriam nEle, então você realmente é calvinista e não um arminiano.

2. Você acredita que os seres humanos são tão depravados que eles não podem fazer nada para ganhar a salvação e que não podem escolher crer em Jesus sem a intervenção da graça de Deus?

Se você respondeu sim, então você concorda com Arminius e o Arminianismo.
Calvinistas creem nessa mesma doutrina, mas afirmam muitas vezes que os Arminianos não creem, apesar de haver completa unanimidade entre os teólogos arminianos em afirmar a doutrina.

3. Você acredita que uma pessoa pode resistir ao poder de convencimento e à graça de Deus?

Se você respondeu sim, então, novamente, você afirma outro dos princípios centrais do Arminianismo, como refletido nas palavras de Jesus: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes quis eu reunir os teus filhos... mas vós não o quisestes” (Mt 23:37).
Calvinistas afirmam que Deus determinou que certas pessoas vão acreditar, Ele vai fazer a sua fé possível e chamá-los para a salvação de tal forma que suas próprias vontades serão dominadas, para que não possam resistir ao chamado da salvação.
Arminianos acreditam que Deus quer que cada um possa crer, mas quando Deus chama alguém para crer, Ele o faz de tal forma que o indivíduo ainda pode resistir ao poder de convencimento do Espírito.

4. Você acredita que uma pessoa nasce de novo quando coloca sua fé em Jesus?

Se você respondeu sim, então você se prende a um dos eixos principais do Arminianismo e você provavelmente não é um calvinista.
Calvinistas creem que Deus deve primeiro dar a uma pessoa a nova vida (regeneração) para então permitir a fé; sem ter nascido de novo (sido regenerada) uma pessoa não pode acreditar.
Arminianos defendem que as pessoas não recebem o dom da nova vida, até que elas creiam.
Arminianos defendem que, quando uma pessoa crê, ela é unida a Cristo e só então é que ela participa da vida nova e é nascida de novo. Uma pessoa não partilha da nova vida, sem primeiro estar unida com Cristo pela fé, pois “quem que nele crê não perece, mas tenha a vida eterna”. (João 3:16).

5. Você acredita na eleição?

Se você respondeu sim, então você pode ser um arminiano.
Calvinistas acreditam em uma eleição independente da fé – Deus elegeu parte da humanidade por decreto.
Arminianos acreditam que a eleição é baseada “em Cristo”, ou seja, alguém que está “em Cristo” é eleito. A fé é essencial para tornar-se unido a Cristo e, portanto, a eleição é condicionada à fé.

6. Você acredita na predestinação?

Se você respondeu sim, então você pode ser um arminiano.
Arminianos afirmam que os crentes são predestinados para a salvação final, não que algumas pessoas estão predestinadas a crer. (Parte dos arminianos entendem que os crentes são predestinados para uma vida santa – Rm 8.29)

7. Você acredita que é possível perder a salvação?

A questão é se as pessoas que verdadeiramente acreditam em Jesus podem destruir sua fé a ponto de perder a salvação.

A) Se você respondeu que não crê na possibilidade de perda da salvação, você pode ser um arminiano.
O próprio Arminius não se pronunciou sobre o assunto e nunca ensinou que os crentes podem naufragar na fé e perderem a sua salvação – ele afirmava que esse assunto precisava ser melhor estudado.
Os seguidores posteriores de Armínio é que estudaram o tema e concluíram que os crentes podem fazer naufrágio da sua fé e perecer. Atualmente a maioria dos batistas são arminianos de 4 pontos, pois creem que não se perde a salvação.

B) Se você respondeu que crê na possibilidade de perda da salvação, você afirmou algo que a maioria dos arminianos afirma fortemente, e você certamente não seria bem-vindo no meio Calvinista.
A declaração de fé oficial da Sociedade dos Evangélicos Arminianos apenas afirma que “perseverar na fé é necessário para a salvação final”, sem comentar sobre a possibilidade de naufrágio da fé.
Todos os calvinistas creem na segurança eterna incondicional (uma vez salvo sempre salvo).
Muitos independentes e batistas do sul se dizem calvinistas simplesmente por não crer em perda da salvação. No entanto, esse ponto não é determinante para definir se alguém é arminiano ou calvinista.

8. Você acredita na visão da satisfação penal da expiação?

Se você respondeu sim ou se você respondeu não, você pode ser um arminiano.
A visão da satisfação penal da expiação, afirma que a morte de Jesus implica um pagamento pelo pecado. Ela assume que a justiça de Deus exige que o pecado seja punido e que a justa ira de Deus foi desviada dos pecadores merecedores e derramou-se sobre Jesus como seu substituto.
Esta opinião é defendida pela maioria dos calvinistas e pela maioria dos arminianos. Alguns poucos arminianos rejeitem a noção de que Deus castigou o seu Filho Jesus.
Armínio afirmou o ponto de vista da satisfação penal da expiação.

9. Você acredita que Deus conhece exaustivamente o futuro?

Se você respondeu sim, você concorda com o arminianismo nesse quesito.
Calvinistas e Arminianos acreditam que Deus sabe o futuro de forma exaustiva.
A negação dessa doutrina é uma rejeição da base do teísmo cristão, e aqueles que a negam não podem ser arminianos.
A Sociedade dos Evangélicos Arminianos afirma a doutrina, e não se pode pertencer à ela se não se está de acordo.

10. Você acredita na soberania de Deus?

Se você respondeu sim, então você concorda com o arminianismo nesse quesito.
Todos os calvinistas e arminianos afirmam a soberania de Deus, mas diferem na dotação de Deus para a liberdade dos seres humanos.
Alguns calvinistas definem a soberania como Deus ordenar e predeterminar todas as coisas e eventos, de modo que a escolha humana é apenas uma ilusão.
Alguns calvinistas não negam explicitamente a liberdade humana nas decisões cotidianas, mas negam a liberdade humana de rejeitar o chamado para a salvação.
Arminianos afirmam o livre arbítrio (nas decisões cotidianas) e creem que os seres humanos realmente fazem escolhas genuínas, inegavelmente, afirmando a culpabilidade humana no pecado. No caso da salvação os arminianos creem no ‘arbítrio-liberto’, ou seja, o pecador só pode crer após ser chamado pelo Espírito Santo.
A visão arminiana da Soberania é que Deus tem o poder e a autoridade para fazer tudo o que ele quer, e nada pode acontecer a menos que ele o faça, ou permita. E creem que Deus é Soberano o suficiente para dotar as suas criaturas com livre-arbítrio.
A visão arminiana da soberania e da liberdade humana é motivada por sua compreensão do caráter de Deus como sendo santo, o que significa que: 1) Deus não é o autor do mal e 2) os seres humanos são culpados por seus pecados.


Em resumo, você é um arminiano se crer...
na doutrina da expiação ilimitada (Jesus morreu por todos)
na doutrina da depravação total (as pessoas são incapazes de crer em Jesus sem a intervenção da graça de Deus)
na doutrina da graça resistível (as pessoas podem resistir à graça)
na doutrina da eleição (todos que estão “em Cristo” são eleitos)
na doutrina da predestinação (crentes são predestinados)
na doutrina da satisfação penal da expiação (Deus puniu os pecados do mundo em Jesus)
na doutrina da onisciência (incluindo que Deus conhece o futuro perfeitamente)
na soberania de Deus (Deus pode fazer o que quiser, inclusive dotar os seres humanos de uma vontade livre).

Como afirmei anteriormente, a posição padrão do evangelicalismo cristão é o Arminianismo. E como pode ser visto neste breve resumo, é bom ser arminiano.

Para uma reflexão mais aprofundada sobre estas questões, leia o livro Teologia Arminiana: Mitos e Realidades, de Roger Olson, que estabelece a teologia arminiana clássica e derruba 10 mitos sobre o Arminianismo.

James M. Leonard
http://arminianbaptist.blogspot.com/
publicado em http://confraria-pentecostal.blogspot.com.br/


quarta-feira, 9 de julho de 2014

Por que Jesus se submeteu à Lei de Moisés?

Jesus foi circuncidado com 8 dias e depois apresentado no Templo. Por que o Filho de Deus nasceu judeu e se submeteu à Lei de Moisés? Se Jesus cumpriu os preceitos da Lei, o que nos resta fazer hoje com relação à ela?



Fonte: O Temporas! O Mores!
tempora-mores.blogspot.com.br